Viver
Paulo B. Menezes: "Eu queria destruir as expectativas do que um filme deveria ser"
O Que a Noite Rouba ao Dia em anteestreia na Gulbenkian, a 10 de Dezembro.
O que lhe interessou na obra de Marguerite Duras, Destruir, Diz Ela, enquanto ponto de partida?
Penso que tenha sido a abstracção daquelas personagens naquele espaço fechado. É um exílio voluntário em que as personagens flutuam na sua existência, uma em que não há espaço para a mundanidade nem para as obrigações da "vida real", o que o remete mais para os pensamentos das personagens do que para factores externos que, ali, são meramente enunciados, e quando o são, como se fossem um aborrecimento. Os verdadeiros elementos são o desejo entre as personagens, a sua vontade de não habitar um espaço nem um tempo preciso, de destruir as convenções, tanto as sociais quanto as literárias. De certo modo, interessava-me especialmente por eu sentir nela um paralelo com o que eu queria fazer no filme: destruir as expectativas do que um filme deveria ser, quer as do público quer as minhas próprias.
Podemos concluir que a personagem principal de O Que a Noite Rouba ao Dia utiliza os próprios sonhos para compensar uma certa ausência de empatia?
As suas relações com o mundo real não são fáceis nem os seus resultados agradáveis. Daí, sim, sem dúvida, são os seus sonhos que o sustêm por um fio, os seus laços emocionais são ora passado ora falhanço. A sua tentativa de fazer um filme com base na peça de Duras é o último reduto de quem não quer abdicar de um sonho, tanto o sonho de fazer um filme como o sonho da peça que ele queria adaptar. Ele presta-se a tudo o que for possível para não abdicar do seu sonho, mas acaba por usar o que traficara para dar à mulher e filha, como se assim fosse capaz de pagar a sua dívida para com a família em detrimento do seu filme. No filme, ele acaba por não ser um real nem por conseguir realizar um imaginário, continua preso por um fio entre ambos, um fantasma de quem poderia ser se não fosse tão disfuncional.
Era essencial não determinar previamente a acção, ou seja, deixar o filme seguir o seu próprio rumo?
Sem dúvida. Uma das poucas premissas do filme era que houvesse uma interacção entre os factores de produção e a realização, o que por si só indica que era um filme que assumia a sua deriva. Esta deriva estendia-se a todos os elementos, se não mesmo todos os planos, do filme. A peça da Duras, o Cláudio da Silva e o apoio da Gulbenkian eram os únicos dados de partida, enquanto os décors, a realização e o argumento se encontravam todos em aberto. Houve textos que foram riscados um minuto antes de serem filmados, licenças obtidas à última hora. O Cláudio da Silva foi determinante nessa possibilidade, apenas um actor com a sua capacidade e experiência de dar corpo à personagem a partir de pequenas directrizes, por vezes mais o tom do que a forma, tornou possível uma abordagem de realização tão livre. Também o restante elenco, com vasta experiência em teatro, conseguia tornar reais personagens tão difusas e apropriar-se dos espaços como se as cenas tivessem sido encenadas e ensaiadas com antecedência.
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