Sociedade

O rapaz da Caranguejeira que se converteu ao Islão

20 nov 2015 00:00

Luís Gaspar diz que "os portugueses em França são quase invisíveis"

o-rapaz-da-caranguejeira-que-se-converteu-ao-islao-2520
Paula Sofia Luz

Luís Gaspar tem 40 anos, nasceu em França e é filho de um casal de emigrantes da vila da Caranguejeira, concelho de Leiria. É lá que volta todos os anos, com a mulher (inglesa, de origem paquistanesa) e os filhos, de 11 e 13 anos, pois considera “essencial que eles conheçam Portugal e a nossa cultura”. Engenheiro aeronáutico de profissão, vive e trabalha na Arábia Saudita, há oito anos. É a partir de lá que gere as páginas Portugueses Convertidos ao Islão e Musulmans Portugais, na rede social Facebook. Nos planos futuros está o regresso a Portugal, “dentro de uns cinco anos”. Nessa altura espera ajudar a comunidade muçulmana de Leiria, que considera “tão invisível como os portugueses em França”. Olha para os atentados de Paris - perpetrados por alegados convertidos ao Islão - como um problema que a comunidade muçulmana tem de resolver, e por isso está apostado em lançar esse debate interno. Numa entrevista via Skype, Luís fez uma viagem ao passado e ao momento em que se converteu.

O Luís nasceu em Paris. Como é que viu os atentados terroristas de 13 de Novembro?
Estou mesmo a reagir com muita emoção. Nasci e cresci em Paris, departamento 15, tenho lá amigos, custa-me imenso estar a assistir a isto. O meu pai, a minha irmã e o meu irmão sempre viveram lá ( o meu pai neste momento está em Portugal, foi aí à Caranguejeira festejar o aniversário). Na verdade, só eu é que não estou em França neste momento…

O Luís vive na Arábia Saudita. Como é que foi aí parar?
Estou cá já há oito anos. Tenho de contar a história toda, então. Eu tinha decidido melhorar o meu inglês e fui um ano para Londres. Acabei por ficar lá 10 anos, casei lá, e foi quando me converti ao Islão. De tal maneira que o meu pai achou que a culpa era da Inglaterra (risos). Depois vim para a Arábia Saudita e ele dizia-me: “agora é que eles te vão endrominar ainda mais”…

Não foi fácil explicar isso aos seus pais?
Não foi difícil. As pessoas quando se convertem as coisas não são assim tão complicadas… Só começam a aperceber-se de que sou muçulmano quando começam a ver coisas práticas. Mas eu sempre me entendi bem com a minha família, os meus pais são pessoas impecáveis, tudo se passou sempre muito bem.

O Luís era católico?
Era, sim. Na infância, estive em Portugal durante três anos, na Caranguejeira. Como a minha mãe não gostava da França, tínhamos lá casa, ela voltou connosco (eu e os meus irmãos). Isso ajudou-me a falar melhor português e a aprender melhor a nossa cultura. Como estava na aldeia, havia aquele hábito de ter que ir à missa e isso interessava-me. Ao mesmo tempo tinha um amigo que era testemunha de Jeová, muito entusiasta, e nós conversávamos muito. Ou seja, desde novo que eu tinha um sincero interesse na religião. Isso foi no princípio dos anos 80.  

E como é que aconteceu a sua conversão à religião muçulmana?
Na adolescência voltei para França. Aí já era a vida na cidade e na comunidade portuguesa os jovens pouco lhe puxava para irem à Igreja. Eu sempre gostei de estudar as coisas e de as perceber, incluindo as várias religiões, com os meus amigos. Quando cheguei aos 18 anos ouvia muito Beatles e toda  a música dos anos 70. Cruzei-me com a informação sobre os guias espirituais e interessei-me pelo budismo. Nunca quis ir para um mosteiro, mas gostava daquela paz de espírito. O salto aconteceu quando fui com uns amigos a Marrocos. Um desses companheiros de viagem falou-me do induísmo, pois tinha ido à India no ano anterior. Havia também um jovem marroquino que era muçulmano, que me falou do islamismo como a religião a seguir, com o último profeta. Quando ouvi isso – eu, que sempre fui muito racional – pensei, “se ele tem razão, e eu como cristão pensava que Jesus é que era o último profeta, se ele está correcto, é por aqui que tenho de ir. Um ano depois é que tive a oportunidade – em casa de um colega que não era muçulmano, mas tinha a tradução do Corão, de conhecer e de ler. Eu queria saber se o que o outro me dissera em Marrocos era correcto. 

E foi fazer essa comparação, entre a Bíblia e o Corão?
Isso mesmo. Foi tão simples quanto isso. Desde o início, quando comecei a ler, percebi que era mesmo autêntico. Foi assim que me converti ao islamismo. E só depois de ter ido para Inglaterra é que comecei a ler mais e a estudar toda a religião. Fiz o meu testemunho da unicidade de Deus e fiquei muçulmano. 

Qual é o seu nome muçulmano?
Aí também há uma pequena história. Quando regressei a França e fui a primeira vez à Mesquita, para aprender a rezar, veio o imã dizer-me que tinha de escolher um nome muçulmano. Eu nem sabia. Perguntou-me então como é que eu me chamava. Como o meu nome [Luís] era tão simples, escolheu-me um igualmente simples: Anas – o que que quer dizer “uma pessoa em quem encontras tranquilidade”.

Como é que está a acompanhar a situação em França, em que tantas vezes a opinião pública olha para os muçulmanos como terroristas?
É muito difícil gerir estas emoções. Tenho participado em fóruns, até com colegas jornalistas, de tal maneira que o meu pai ainda ontem, ao telefone, me dizia estar preocupado em ver-me participar tão activamente e tomar posições. Dizia ele “vê lá se fazes cuidado, que um dia eles ainda te vão apanhar”. E eu acho que nem estou a fazer grande coisa…

Mas qual é a preocupação dele?
Como sabe, os portugueses em França são quase invisíveis. Ninguém os nota. Por isso é que eles passaram tão bem, ao longo dos anos… e não é muito comum haver um português, ainda por cima muçulmano, sem problema de se assumir. Quando eu disse que vinha para a Arábia Saudita ficou logo assustado, também (risos). Também porque contei-lhe a história de um deles (procurado como terrorista), filho de portugueses, que no ano passado me procurou, no Facebook, depois de uma entrevista que dei a um jornal português. Esse rapaz ainda há pouco tempo era dado como sendo um dos aparece nos vídeos que agora circulam pela internet, como sendo dos autores do atentado de Paris. E como ele era de Champigny, mesmo ao lado de onde vivi…o meu pai ficou logo preocupado.

Imagino que tenha de explicar muitas vezes às pessoas que esta corrente é terrorismo e não islamismo…
 O que tenho sempre de explicar às pessoas é que uma coisa são os terroristas, outra é o islamismo. Neste momento estou a ler Jean Jaques Rousseau, um dos filósofos do século das luzes, que me está a ajudar muito. Eu tenho que perceber muito bem, para depois explicar mais a fundo. Estamos todos (todos nós) fartos de ouvir dizer “mas isto não tem nada a ver com o islão”. Então o que me parece é que temos de perceber porque é está sempre a acontecer connosco. Isto tem de ser um momento de reflexão. Não nos podemos esquecer que muitos dos muçulmanos vêm de ghettos, lá em França. São pessoas que já têm raiva. O que é preciso é os muçulmanos terem força suficiente para olhar para dentro e perceber que problemas existem na comunidade. O que é que podemos fazer para resolver este problema antes que isto estoure?

É essa discussão que está a lançar, internamente, nesses fóruns?
Exacto. Não me interessa dizer ao presidente da França “faça favor, não vá rebentar com isto tudo porque o terrorismo não é assim que se vai eliminar, que vai ganhar esta guerra. Por isso o melhor que temos a fazer é reflectir nas causas. Se eu tiver um problema no meu trabalho, tenho de perceber de onde vem a causa. Porque só assim se pode resolver o problema. 

Então, na sua opinião, o que se deve fazer?
O problema é que, logo de caminho, atira-se “isto não tem nada a ver com o islão. É que isso não ajuda nada! Temos um problema e temos que o resolver! Isto faz-me lembrar o cineasta em Marrocos que fez um filme sobre a prostituição. A mensagem dele é: em Marrocos, como em toda a civilização muçulmana, temos problemas – seja prostituição ou terrorismo – e em vez de olharmos para eles e tentar resolver, não, consideramo-los como se fosse tabu… Ninguém fala disso. Enquanto não falarmos disso publicamente vamos empurrando o pó para baixo do tapete. Pessoalmente, por causa do que aconteceu, estou nesta etapa.