Viver
O professor e homem de cultura que conviveu com Agostinho da Silva
António Baptista , Um percurso feito de Ourém a Tóquio, passando por Espanha e França
Todo ele respira cultura e amor às humanidades e às letras. Foi a essas paixões que António Baptista dedicou o seu percurso profissional feito de Ourém a Tóquio, título que deu à sua autobiografia, publicada em 2014, onde antigo professor universitário recorda, entre muitos episódios, os encontros com o “mestre” Agostinho da Silva.
O primeiro contacto com o filósofo aconteceu quando António Baptista leccionava na Universidade de Santiago de Compostela. Foi no início da década de 70 do século XX. “Um colega, que estava como leitor [professor] de português em Salamanca, chamoume a atenção para a presença em Santiago de um português 'muito sábio', vindo do Brasil. Fui ao seu encontro. Procurei-o no hotel. Informaram-me que estava fora.
O funcionário disse-me que ele seria muito importante porque recebia correspondência do mundo inteiro. Fiz mais duas ou três diligências e acabei por o encontrar. Fez questão de ser ele a visitarme no Instituto de Estudos Portugueses.
Foi uma tarde memorável. Horas de divagação intelectual”, recorda, com um brilho nos olhos. Depois desse dia, o professor e o filósofo encontraram-se várias vezes no bar da universidade e num almoço no Tacita d'Ouro, conhecido restaurante de Santiago de Compostela.
“Conversámos sobre o ensino nas universidades brasileiras. Fez-me uma recomendação para a Embaixada do Brasil através da qual obtive uma bolsa de estudos para desenvolver estudos sobre literatura brasileira na Universidade de São Paulo”, revela António Baptista que, após o 25 de Abril, se reencontrou com Agostinho da Silva em Lisboa.
“Era visita de sua casa. Tinha de marcar, evidentemente. Falávamos durante três ou quatro horas. Ele não se importava que tirasse apontamentos.”
Mocidade “sofrida” no seminário
António Baptista nasceu há 79 anos na Melroeira, uma pequena aldeia localizada no sopé da vila medieval de Ourém. Terminada a instrução primária, não lhe restou outro caminho que não fosse ir para o seminário. “Comi lá boas sopas [risos]. Agora, a sério, se não fosse o seminário, não tinha avançado nos estudos.
Era a oportunidade de as classes mais desprotegidas estudarem”. Foram anos “sofridos” os que passou no Seminário Diocesano de Leiria, sobretudo, pelo ambiente “fechado” e pelo ensino “obsoleto”. No meio de tamanho “obscurantismo”, destacavam-se dois professores “maravilhosos”: Luís Portela e Américo Henriques.
O problema é que, “duas pessoas abertas naquele seminário fechado e tradicionalista, ainda ligado ao Vaticano I ou ao Concílio de Trento, não conseguiam abrir clareiras”. A saída do seminário aconteceu no final do 7.º ano.
Seguiuse a luta difícil para obter equivalências e um “pequeno trabalho” como docente no Seminário dos Monfortinos, em Fátima. Depois da tropa, passou pela Caixa de Providência em Lisboa e pelo Banco Espírito Santo.
“Aquilo não me dizia nada. Dava-me mal com os números. A minha ambição era estudar. Tinha a mania das humanidades. No seminário, o professor Luís Portela incutiu-me o gosto pela filosofia e pela literatura.
“ Seria esse o caminho que viria a seguir. Licenciou-se duas vezes em Filosofia, uma pela Universidade Católica de Toulouse e outra pela Universidade de Coimbra. Pelo meio, ainda se inscreveu em Direito, tendo sido aluno de Marcello Caetano.
“Era um homem fantástico. Um humanista e um mestre experimentado, expondo os temas sempre com clareza. Ainda hoje recordo os 15 minutos que me concedeu [1962] para lhe poder falar. Falei-lhe sobre o direito à greve”, conta António Baptista, que não passou do segundo ano de Direito.
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