Sociedade
Ministro da Educação, Ciência e Inovação anuncia mais vagas e desafia professores a usar IA sem medo
Fernando Alexandre quer uma aposta no bem-estar dos alunos, pelo que defende que residências devem ser para estudantes do 1.º ano
Reforço do bem-estar dos estudantes, inovação pedagógica, utilização da inteligência artificial no ensino superior sem receios, mais inglês nas aulas e flexibilização no número de candidatos foram mensagens deixadas pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação, em Leiria, durante a sua oração de sapiência, no âmbito da sessão de abertura do ano académico do Politécnico de Leiria.
Fernando Alexandre, que não disse uma única frase sobre a possibilidade do Politécnico de Leiria vir a ser Universidade de Leiria e do Oeste, destacou o papel das instituições de ensino superior, que têm hoje um papel ainda mais importante face à complexidade do mundo, cujo grau de incerteza é muito grande.
“As instituições de ensino superior qualificam as pessoas e geram conhecimento científico. Quando temos um mundo mais complexo, é muito improvável que as soluções para os problemas que enfrentamos sejam simples”, apontou.
Para o ministro, “a percepção que a sociedade tenha da importância das instituições de ensino superior para contribuírem para resolver os grandes problemas que a humanidade enfrenta, vai ser decisivo para a disponibilidade que a sociedade vai ter, por exemplo, para financiar o ensino superior, para financiar a ciência”, sublinhou.
Isto significa que “as instituições de ensino superior têm de estar cada vez mais atentas aos problemas da sociedade”, de “procurar cada vez mais contribuir para a resolução dos problemas da sociedade” e “têm de o fazer qualificando as pessoas jovens e adultos”.
“Uma mudança que temos de fazer em Portugal é que as instituições de ensino superior não têm de ser apenas instituições de qualificação de jovens. Têm de ser cada vez mais instituições que qualificam pessoas ao longo de todo o seu ciclo de vida”, observou.
É preciso gerar conhecimento científico, mas também conhecimento “na área das artes e das humanidades, que não são ciências” e saber comunicar esse conhecimento.
“Nós temos já grandes exemplos de produção de conhecimento científico, mas a capacidade que temos de transportar esse conhecimento para a sociedade e para a economia ainda fica aquém”, constatou, ao referir que as redes sociais “permitem que haja muita informação que é disseminada sem media, sem intermediário, o que tem muitas vantagens, mas também tem muitos riscos”. E cabe a todos os que qualificam estar capacitados para “ler essa informação e para a transmitir”.
Formação ao longo da vida
Afirmando que Portugal continua com um problema de demografia, que não foi ultrapassado com o aumento da imigração, Fernando Alexandre desafiou as instituições a apostar na diversificação dos públicos. Além da formação dos jovens, o ministro considera que é possível portas a outros públicos, que não tenham de entrar apenas pelo prosseguimento normal de estudos a seguir ao secundário. “Queremos chegar aos 50% ou até ir além disso, da população entre os 25 e os 34 anos que tem um curso superior, mas a forma como o fazemos não tem de ser com o prosseguimento de estudos desde o pré-escolar ou desde a creche até à conclusão da licenciatura ou do mestrado.”
Uma das propostas é a formação ao longo da vida, que poderá trazer adultos que terminaram o 12.º ano e entraram no mercado de trabalho ao ensino superior. “Um estudo recente, o PIAAC [Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos], mostra que 20% da população adulta, que tem o secundário concluído, tem as competências necessárias para frequentar um curso de ensino superior.”
Fernando Alexandre destacou que os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), “onde o Politécnico de Leiria faz um excelente trabalho” são “um exemplo de diversificação dos públicos”.
A aposta nos estudantes internacionais é também uma “importante área de recrutamento”, mas não são apenas os falantes de português, mas também da Europa e fora dela. Para tal, o governante defendeu que sejam ministradas cadeiras em língua inglesa. “Esse caminho permite depois alargar as fontes.”
Desafio da IA
As novas tecnologias, nomeadamente a inteligência artificial, são “cada vez mais importantes no processo de ensino-aprendizagem". “Quem quiser atrasar o desenvolvimento da IA simplesmente vai ficar para trás, porque é uma tecnologia que pode amplificar as capacidades de cada um de nós.”
Admitindo que a IA “vai substituir muitas tarefas que as pessoas fazem”, Fernando Alexandre confessou que “é difícil que substitua totalmente”, porque precisa sempre das orientações humanas.
As técnicas pedagógicas terão de incluir a IA, preparando os estudantes para beneficiarem destes avanços tecnológicos. “Posso escrever um texto com a ajuda do ChatGPT, ou do Cloud, ou de outra aplicação, Mas a capacidade de discernir qual é o caminho que esse texto deve levar para atingir o objectivo que eu pretendo, acaba por ser eu a decidi-lo”, explicou.
Por isso, considerou que as aulas têm de ser menos expositivas e com mais espaço e à vontade para os alunos fazerem perguntas, mesmo que sejam perguntas parvas. “Isto é uma distinção muito grande do que existe, por exemplo, entre as sociedades continentais e anglo-saxónicas.
Peso dos diplomas
Para Fernando Alexandre, um dos maiores desafios que o ensino superior enfrenta é o valor dos diplomas. “Qual é o valor do diploma? Aquilo que importa são as competências. Aquilo que se sabe fazer. E este é um movimento que está a acontecer. Nós ainda valorizamos muito os diplomas, mas cada vez mais aquilo que vai ser valorizado são as competências. Não é se ele é licenciado numa determinada área, é se ele sabe desempenhar aquelas funções, é se aquela pessoa tem aquelas competências. “As instituições têm de se adaptar, mas a nossa legislação também tem de evoluir.”
O ministro considerou como fundamental uma aposta no bem-estar dos estudantes, referindo que está provado que um aluno que continua a estudar na sua zona de residência, a probabilidade de ter sucesso académico é “muito mais elevada” do que um estudante deslocado.
Por isso, o Governo vai alterar o despacho das vagas, permitindo mais 10% nos casos em que se justifique.
“O chamado 'numerus clausus dificulta muito a alteração das vagas. Não vamos acabar com o 'numerus clausus'. Mas queremos flexibilizar. Ou seja, queremos permitir que as instituições possam fazer variar um pouco a sua oferta”, revelou o ministro da Educação, Ciência e Inovação.
Segundo Fernando Alexandre, Portugal tem “um sistema super-rígido de colocação de estudantes”, o que impede, por vezes, os alunos de ficarem nas instituições da sua área de residência.
“Promovemos o número de deslocados do ensino superior e depois queixamo-nos que temos muitos alunos deslocados. Temos muitos alunos deslocados, porque somos os responsáveis por isso. Não deixamos a oferta adequar-se à procura”, insistiu o governante.
Mais bolsas
Fernando Alexandre anunciou também a revisão do sistema de acção social, que será apresentado em breve. “Uma primeira dimensão tem a ver com aquilo que é o rendimento das famílias, com um cálculo do rendimento do agregado e o valor per capita”, com “uma ligação com os custos da frequência do ensino superior por concelho”.
A tutela irá ainda atribuir “uma bolsa para os estudantes que não saem da zona de residência e uma bolsa, que é diferente, para os estudantes deslocados”.
Será ainda proposta uma “bolsa específica para os estudantes de níveis de rendimento mais baixos, que é um incentivo para continuarem a estudar”.
O valor será calculado através do “chamado custo de oportunidade por ir estudar, que é o que ele deixa de ganhar, porque no final do 12.º ano já poderia ir trabalhar”.
O objectivo é “dar um incentivo aos estudantes” e às famílias dizendo que “se o seu filho continuar a estudar, tem aqui um rendimento adicional”.
A mudança na gestão das residências é também alvo de aviso do ministro, que considera que estes espaços “deviam ser equipamentos que integram os alunos deslocados, obviamente, tendo prioridade os alunos da acção social”.
Mas, devem destinar-se, “primordialmente, aos alunos do 1.º ano que estão deslocado, para garantir a integração”. “Têm de ser mesmo espaços de bem-estar para a comunidade académica, preferencialmente para os alunos do 1.º ano”, reforçou.