Economia

Joaquim Paulo Conceição: "Era suposto estarmos mortos"

6 dez 2018 00:00

CEO do Grupo NOV fala dos motivos pelos quais reestruturação da construção não está feita e diz que um PER não é hipótese

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Raquel de Sousa Silva

Por que é que não foi ainda possível terminar a reestruturação financeira na área da construção?
Por vários motivos. Em quatro anos apanhámos administrações diferentes nos três bancos com os quais estamos a negociar (BCP, CGD, NB). Os próprios bancos passaram por situações de necessidade de financiamento pós troika e houve ainda toda a questão relacionada com o Novo Banco. Na minha opinião, a partir de determinada altura alguns dos bancos passaram a ter medo. Depois da Operação Marquês, não só os bancos, mas também alguns fornecedores, acharam que íamos mesmo cair. E por isso não valeria a pena fazer a reestruturação. Posso estar a ser injusto, mas senti isso. E não só dos bancos, também na nossa terra. Mas depois passou 2015, 2016, 2017, estamos em 2018 e não caímos. Por outro lado, a CGD foi muito auditada por ligações e favorecimentos a algum tipo de financiamento. Nunca pedimos dinheiro para comprar acções e especular. Pedimos dinheiro para produzir. Mas depois, com a história da Operação Marquês, foi tudo para o mesmo monte. Todas estas questões tiveram impacto e não vale a pena estarmos com histórias. Foi a Operação Marquês, a derrocada do sector das obras em Portugal e a questão do preço do petróleo. Foi um vendaval perfeito. Mas lá fomos sobrevivendo, porque sem conseguirmos garantias bancárias para ir a concursos era suposto estarmos mortos. Aliás, na opinião de alguns já estávamos mortos em 2010.

Recorrer a um Plano Especial de Revitalização (PER) nunca foi uma hipótese?
A partir de determinada altura podia ter sido o melhor. Foi o que fizeram todas as nossas congéneres, com excepção da Teixeira Duarte e da Mota. Assim resistíamos a pedidos de insolvência, injunções, acções em tribunal. Mas sempre lutei para que essa hipótese não acontecesse, apesar de alguns dos bancos quererem forçar-nos a fazê-lo. Porque quando as empresas entram em PER a banca põe-as numa espécie de prateleira, de limbo. É basicamente pôr numa salgadeira até que estejam mortas. Até final de 2016 limpámos todos os incumprimentos que tínhamos na banca, mesmo na área das construções. Tentámos sempre evitar o PER e continua a não estar em cima da mesa. Não podemos nunca dizer 'desta água não beberemos', mas se não o tivemos até agora dificilmente o teremos a partir de agora.

A compra da Abrantina, em 2007, foi um mau negócio?
Sim. Foi bem pensada estrategicamente, porque era a forma de sermos a segunda maior empresa em termos de dimensão. Na altura ainda não se antevia a crise. Pelo contrário, antevia-se um novo aeroporto, mais estradas, o TGV, um conjunto de outros investimentos. A compra foi estrategicamente bem pensada, mas tecnicamente mal executada. A Abrantina ficou fora da esfera de consolidação do grupo durante tempo de mais. Só em 2012 foi feita a integração. Tinha 300 milhões de euros de buraco. Se não tivesse havido aquela crise profunda, e o mercado tivesse sido o que se esperava, ter-se-ia conseguido dar a volta, com as obras ganhas. Só no TVG, a parte que iríamos fazer eram 750 milhões de euros. O problema é que se comprou a empresa com um buraco daqueles e logo a seguir o mercado entrou numa hecatombe brutal. Ficou dívida a mais para negócio a menos. A dívida da Lena Engenharia e Construções de que falamos hoje inclui a Abrantina, ninguém nos perdoou dívida nenhuma.

A empresa tinha ganho várias obras públicas que não avançaram...
No TGV, tínnhamos ganho a obra da linha de Caia. Também fazíamos parte do consórcio para o novo aeroporto. Portugal desapareceu para a obra pública há muito tempo. Participámos naquilo que houve de mais relevante nas últimas, a mais importante das quais o túnel do Marão, mas depois deixou de haver grandes obras. Apesar desta quebra do investimento público ainda há muitas empresas, e a maior parte delas vai para concursos como bombistas suicidas, com margens negativas. O que gostava, mantendo-se a situação assim, é um dia destes deixar de facturar em Portugal nas construções e estar apenas em países onde há necessidade de infra-estruturas, como Angola, Venezuela, Argélia e outros países com petróleo, porque se verifica uma tendência de subida dos preços, e estes países vão voltar a ter divisas para pagar dívidas e pôr investimento público a correr. Será possível fazer obra, não para ganhar rios de dinheiro, que isso não voltará a acontecer, mas para, pelo menos, não perder. Porque em Portugal, hoje, não é fácil fazer obra pública a ganhar dinheiro.