Economia
Compras online subiram mil milhões de euros devido à Covid-19
Conferências Leiria 2021 - Economia e Transição Digital
O presidente da NERLEI-Associação Empresarial da Região de Leiria e presidente do grupo tecnológico inCentea, gostaria que o Leiria Inovation Hub, espaço vocacionado para startups e empresas de tecnologia, previsto para o topo norte do Estádio Municipal Doutor Magalhães Pessoa, na capital do distrito, funcionasse como pólo de atracção de pessoas e empresas para a região.
“Agradar-me-ia que fosse um hub central que promova a captação de pessoas e empresas, ou seja, de mais talento, porque aquele que já temos, aquele que o Politécnico de Leiria e outras entidades formam não vai chegar para as empresas de Leiria. Temos de ser capazes de atrair empresas mais inovadoras que se queiram cá instalar. Gostaria que o espaço fosse o embrião de captação desse tipo de empreendedorismo e dessas empresas”, disse António Poças, na segunda das Conferências Leiria 2021, organizadas pelo JORNAL DE LEIRIA, Diário de Leiria e Região de Leiria, em parceria com o Município de Leiria.
Esta quinta-feira, no Teatro Miguel Franco, em Leiria, um grupo de especialistas debateu o tema Economia e Transformação Digital.
Com moderação da directora-adjunta do JORNAL DE LEIRIA, Raquel Sousa Silva, o primeiro painel deste debate contou com Carla Ferreira, CEO da Factor H, e António Poças, enquanto o segundo painel ficou a cargo de Mónica Sobreira, responsável pela divisão de transformação digital da Critical Software, e de Alexandre Nilo Fonseca, presidente da Associação da Economia Digital de Portugal, que marcou presença por via digital.
A partir de Bruxelas, a encerrar esteve Ricardo Castanheira, conselheiro coordenador Digital e Telecom, na Representação Permanente de Portugal, junto da União Europeia.
António Poças ilustrou o seu pensamento com dois dos projectos anunciados pela autarquia de Leiria para os quais, no seu entender, há lacunas na oferta de serviços digitais.
“A região e a nossa indústria precisam de mais do que o Hub. A Câmara de Leiria anunciou, na semana passada, dois projectos – mobilidade inteligente e monitorização da água do Rio Lis – que poderiam ser feitos com gente de cá... caso contrário, ter-se-á de ir buscar gente de fora. O Inovaton Hub pode ser o início de uma espiral virtuosa, capaz de catalisar outros agentes e pessoas!”
Com o anúncio da chegada de fundos europeus, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ainda este ano, o debate rondou o tema da digitalização dos negócios, um dos pilares da proposta do PRR apresentada pelo Governo à Comissão Europeia, assente na transição e capacitação digital de pessoas, empresas e do Estado.
A pandemia veio acelerar o processo de transição para muitas empresas, mas será ela uma inevitabilidade ou uma escolha?
E qual é o nível de digitalização das empresas da região, sabendo-se que a maioria do tecido empresarial é constituído por PME?
“O nosso tecido empresarial não é homogéneo e o processo de digitalização também não o é”, explicou o presidente da NERLEI. “As empresas exportadoras”, apontou, “estarão mais à frente, porém, de modo geral, estão no mesmo patamar das restantes empresas portuguesas”.
As empresas, acredita, são impelidas à digitalização por imposição dos clientes e por operarem em mercados internacionais.
António Poças adiantou que a maioria das dificuldades não vêm da complexidade das ferramentas, mas da capacidade de interpretação das ferramentas pelos colaboradores das firmas. E deu o exemplo do seu grupo empresarial.
Antes da pandemia, na inCentea, as reuniões eram presenciais, com os responsáveis das empresas do grupo a deslocarem-se até Leiria, vindos de todo o País.
“Mas não convidávamos os colegas das empresas no estrangeiro. Depois começou a pandemia e começámos a reunir à distância e continuámos sem nos lembrarmos de quem estava lá fora. Até que alguém disse que a presença deles não seria diferente daqueles que estavam noutra cidade. Só aí começámos a reunir todos.”
Custo da digitalização não é impedimento
Muitas micro-empresas da região estão completamente digitalizadas, pois nasceram nesse paradigma. O tamanho e o custo não são factores impeditivos lembrando que há alternativas bastante vantajosas e aceitáveis para instalação de sistemas e soluções.
Insistindo na nota da segurança online, Poças explicou que 80% das quebras de segurança surgem nas pessoas e não nos sistemas.
“Há quem deixe as passwords escondidas debaixo do teclado. Os processos têm de ser digitalizados e as pessoas formadas, mas é preciso falar de segurança de informação. Quanto maior o grau de digitalização maior o factor de risco. Contudo, não digitalizar por haver o perigo de se ser atacado não faz sentido. Temos de fazer o mesmo que fazemos em casa, quando fechamos a porta, ou quando trocamos os pneus. Temos de ter cuidados e atenção à segurança.”
Ter um site não é o mesmo do que estar digitalizado
“A digitalização de uma empresa pressupõe que se tenha acesso à informação e se consiga trabalhar com qualquer dispositivo digital, em qualquer sítio e em qualquer hora. Há empresas que precisam de um site e outras que podem não precisar. Obviamente, para a grande generalidade, o site é uma ferramenta importante”, alertou e deu como exemplo a boa “transformação”, que tem sido executada na Administração Pública.
“Ter um site com bonitas fotos do castelo é menos importante do que conseguir tratar-se de um licenciamento sem ter de ir à câmara. Isso é que é a verdadeira transformação digital! Como região, com o PRR, vamos contar com um conjunto de apoios e temos de os aproveitar. Precisamos de pessoas novas nas organizações, com outro mindset”, sublinhou.
Gerações mais novas “vêm digitalizadas
Já Carla Ferreira, CEO da Factor H, deu o seu testemunho acerca daquilo que aconteceu com a sua empresa especializada em Formação e Desenvolvimento de Pessoas.
“Avançámos bastante na transição digital durante a pandemia, embora sejamos uma empresa de formação e recrutamento, que privilegia a proximidade com as pessoas.” Investiu-se, recordou, em novas ferramentas e em novas formas de organização e de adaptação.
“já tínhamos dado passos para a transição digital, mas a pandemia levou a uma inevitabilidade, porque tínhamos trabalhos e projectos que eram feitos presencialmente. Estávamos habituados a fazer entrevistas de forma presencial e de acordo com a localização geográfica. A pandemia tornou tudo possível fazer todo o processo de forma digital”.
A adaptação de técnicas e ferramentas para a avaliação de candidato e para a formação virtual permitiu à Factor H captar formandos de outros pontos do País, mas também de países como a Venezuela ou Angola.
“Há um ano, os nossos formadores consideravam que isto não seria possível. 99% dos processos s de recrutamento foram feitos de forma online. Obviamente existem resistências. Nem todos os formadores e nem todos os formandos, se adaptaram ao contexto online.”
As gerações mais novas “vêm digitalizadas”, disse Carla Ferreira, contrapondo que a população activa mais madura não vem com estas competências.
“Há carências, mas mais importante do que competências digitais é preciso treinar as capacidades – autonomia, aprendizagem, criatividade e sentido crítico -, pois o digital não é um bicho de sete cabeças. É tudo uma questão de mentalidade. O mais importante são a resiliência, autonomia, capacidade de trabalho em equipa, de ouvir... as softskills, de cada um.”
Na Factor H, foi feito um investimento em softwares de gestão e de acompanhamento e foi mesmo preciso criar ferramentas, como um site de e-commerce, que em Março de 2020 não existia. “Agora conseguimos chegar a muitas mais pessoas, com rapidez e comodidade.”
Compras online subiram mil milhões de euros devido à Covid-19
Mónica Sobreira, responsável pela divisão de transformação digital da Critical Software, abriu o segundo painel, que partilhou com Alexandre Nilo Fonseca, presidente da Associação da Economia Digital de Portugal.
Acerca da inevitabilidade a transição digital, afirmou que as organizações terão de dar todas esse passo, no entanto, é preciso “saber-se onde se quer chegar com a transformação digital, porque nem todas as empresas precisam das mesmas coisas”.
A responsável colocou a tónica na necessidade de envolver a organização no processo, pois é complicado e nem sempre é natural.
“Muitas vezes, falando com o público interno e externo, podem-se agilizar as mudanças.”
Mónica Sobreira referiu ainda que há um crescimento na tendência de uniformizar os canais disponíveis para o cliente - web, telefone, etc. – para “criar uma experiência de utilização semelhante e voltada para o consumidor final, passando a ideia de que ele é importante para a empresa, aliando o processamento de dados e estímulos.”
Já o presidente da Associação da Economia Digital de Portugal referiu que a questão digital não é uma novidade, nem é uma coisa do futuro. Afinal, disse, a World Wide Web já tem mais de 30 anos de existência. “Não é uma surpresa para empresas e consumidores.”
Porém, esta década é a do smartphone, do mobile e do omnichannel, com cada vez maior prevalência do optichannel.
A localização, o momento do dia, quem é o consumidor, o que gosta, a introdução da Inteligência Artificial (IA), a utilização de voz em vez de teclados, são coisas que já deveriam estar a ser trabalhadas pelas empresas, em vez de pertencerem ao domínio da ficção científica, porque, tal como a WWW, já não são novidade e estão entre nós.
“A transição digital em Portugal, está mais focada nas grandes e médias companhias, quando 95% do nosso tecido empresarial são micro-empresas.”
Alexandre Nilo Fonseca levou números para a conferência para dar a conhecer que antes da pandemia, apenas 40% das empresas portuguesas tinha presença online. As restantes 60% achava que isso era irrelevante.
“A Covid-19 trouxe para cima da mesa a relevância do digital, especialmente, nas empresas de comércio e serviços. Mesmo assim, apenas 25% dos empresários, após o início da pandemia, afirmam ter uma estratégia de transição digital. E tudo isto quando mais 600 mil pessoas, em Portugal, começaram a fazer compras online!”
Na UE, Portugal é o 4.º país a contar do fim, nas competências digitais dos gestores e colaboradores, avançou ainda.
“Não nos podemos dar ao luxo de deixar ninguém para trás. As pessoas com 60, 70 ou 90 anos estiveram mais isoladas na pandemia, não fizeram compras e não falaram com os seus familiares. A transformação de um país não se faz apenas com os mais avançados.”
Mas o presidente da Associação da Economia Digital de Portugal diz que há boas notícias.
“Há mais portugueses a usar internet e de forma mais sofisticada, com aumentos de uso do homebanking ou compras online. Só neste capítulo, gastaram-se mais mil milhões de euros do que se não tivesse havido Covid-19, num total de mais de 7 mil milhões gasto em 2021. E houve a mudança do local de compra para as empresas nacionais.”
A associação já voltou a auscultar os empresários e, este ano, 60% das empresas portuguesas já têm presença digital.
“As pessoas compram onde socializam e socializam onde compram.” No futuro, Alexandre Nilo Fonseca prevê o aparecimento de mais sites de e-commerce e de e-commerce regional. Já as lojas físicas serão uma espécie de showroom.
“Quanto ao PRR, as necessidades estão bem identificadas e essa parte está bem feita. Tenho de ser positivo e de pensar que entre o Estado e os cidadãos vamos conseguir fazer um país diferente na próxima década”.
Só 56% dos europeus têm competências digitais básicas
A fechar a conferência, Ricardo Castanheira, juntou-se aos participantes de Leiria, a partir de Bruxelas, para salientar que a presidência portuguesa da UE definiu prioridades na área digital com três princípios orientadores: criar um forte motor para uma recuperação económica sustentável, com repercussões no ambiente e nas alterações climáticas; dar capacidade aos cidadãos de terem um poder reforçado (lançamento, entre outras medidas, de uma declaração dos direitos digitais dos cidadãos); reforçar as democracias digitais, para combater os ataques às democracias através de ciberataques, de desinformação e falsas notícias, motivados por interesses comerciais e geo-estratégicos.
“Há ainda uma dimensão programática ligada a novos e antigos programas financeiros. Há um total de 6.7 mil milhões de euros disponíveis no Programa EuropaDigital, destinados à Cibersegurança IA, qualificações digitais avançadas, Digital Inovation Hubs, e Governo digital”, disse.
A Comissão Europeia criou, ainda, objectivos específicos na área das competências, infra-estruturas, empresas e governo e sua modernização tecnológica.
“É uma bússola digital que estamos a começar a discutir e em relação à qual temos confiança para que, até 2030, a Europa se assuma na dianteira na economia digital global.”
Um dos objectivos, exemplificou, é definir uma identidade digital para cada um dos europeus e para que haja registos digitais de saúde para todos os cidadãos.
Mas esta transição digital não se faz sem um elevado grau de confiança, quando há, na UE, países cuja população tem três vezes mais confiança no online do que outros países. “Este gap é o resultado do pouco conhecimento de como a tecnologia funciona e isso resulta da ausência da ausência de competências.”
Para podermos sermos competitivos contra os EUA e China, a Comissão estima que são necessárias 20 milhões de pessoas com conhecimentos de tecnologia da informação e conhecimento.
“Hoje temos 6 milhões de pessoas formadas nesta área na EU. Apenas 18% são mulheres. Além disso, só 56% dos europeus têm competências digitais básicas, ou seja, sabem ir à net ou consultar o email. Em Portugal não chegamos a metade dessa taxa.”
O objectivo é claro, mas o desafio é grande para Portugal e a Europa.