Viver

As dúvidas de Pedro Saldanha

13 jun 2016 00:00

Croácia, 2007

Conheci Pedro Saldanha à entrada dos subterrâneos do palácio de Diocleciano, o imperador guerreiro e construtor a quem se deve a existência da magnífica cidade de Split, na costa da Dalmácia. (Para a enciclopédia Larousse, o imperador viveu entre 245 e 313 d.c., já para a Wikipédianasceu no ano de 244 e morreu em 311 d.c.).

Pedro Saldanha não é um turista, não é um diletante atraído por uma das grandes obras demonstrativas do génio da engenharia e da arquitetura romana, embora seja um admirador declarado do lugar onde estamos

. Sem mais mistério: Pedro Saldanha está ali, debaixo daquela enorme abóbada de tijolos maciços obrados vai para mil e setecentos anos, a cobrar bilhetes aos visitantes. Mas Pedro Saldanha, para além do nome nada croata, tem outra particularidade bem visível: é mestiço. Para não cairmos num folhetim, dou já a explicação: Pedro Saldanha nasceu em Luanda, filho de pai angolano e mãe croata.

Quando nos demos conta que partilhávamos o idioma de berço,  avançámos com a conversa em português. A minha surpresa por este acaso foi grande, mas o agrado de Pedro Saldanha não foi menor.

Não foi bem um acaso. Por vezes as estórias vêm até nós, outras vezes temos de ser nós a caminhar até elas. Ir aos sítios é só o primeiro passo. Quando reparei no crachá, preso à camisa branca de Pedro Saldanha, com o seu nome impresso, ou segurava a curiosidade por tão inusitada denominação, estando nós na Croácia, ou fazia o que fiz: perguntava a origem do nome.  — Passo tanto tempo sem falar português que quando tenho ocasião não me calo — afirmou a dado momento.

Eu aproveitei o seu entusiasmo da mesma forma que o marinheiro aproveita a maré: Escutei, questionei. Uma boa estória, para mim, vale tanto como uma paisagem soberba, um monumento grandioso.

Num português nada atrapalhado, ao invés do que é hábito com as pessoas que perdem o contacto com a língua, Pedro Saldanha revelou que nascera em Angola, no ano da independência do país. Como a família se cansou da guerra civil que parecia não ter fim, um dia fizeram as malas e mudaram de continente, aterrando com o pequeno Pedro e os irmãos na Croácia. Estavam a começar a encaminhar a vida quando outra guerra lhes veio bater à porta, a que havia de destruir a Jugoslávia.

Era azar. Mas apesar disso: — Em Split quase que não demos pelos combates — explicou Pedro Saldanha. Até ali estava tudo certo, mas a guerra terminou em Angola e agora em Luanda desaguam interesses de toda a espécie e pessoas de todo o lado. Uns na mira do eldorado (sobretudo), outros com saudades da velha cultura tropical.

E ele, Pedro Saldanha, estava fora da corrente?... — Bem sei, bem sei que a situação mudou por lá... a minha família já regressou toda,? revelou. Mas não tinha vontade de retornar? insisti. Bem, ele já tinha ido a Angola dar uma olhadela a estes tempos de paz, visitar a família, é claro, mas regressara a Split, explicou. Havia ali enigma. Porque permanecia Pedro Saldanha na terra de acolhimento? Por se sentir melhor na Europa do que em África? Porque em Split tem o salário seguro ao fim do mês? Porque algum amor o prende? 

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