Em Portugal, existe um problema crónico de financiamento de startups, por representarem um risco. A banca tradicional raramente arrisca e só perante garantias convencionais. Quais são então as soluções para quem procura financiamento?
As startups debatem-se, muitas vezes, com problemas de captação de financiamento, principalmente na fase de pre-seed - numa fase de maturidade tecnológica ainda relativamente baixa, por exemplo, em prova de conceito ou protótipo -, uma vez que os seus projectos podem exigir investimentos significativos com resultados incertos. No entanto, quando bem-sucedidas, estas inovações poderão ter um impacto profundo e duradouro em vários aspectos das nossas vidas e da economia global. A ANI tem-se dedicado a promover instrumentos que visam fazer face a estas dificuldades. Tais como a Call INNOV-ID, uma iniciativa conjunta ente a Agência Nacional de Inovação e a Portugal Ventures, que foi inicialmente criada especificamente para financiar startups tecnológicas em fases de pre-seed, seed ou early stage. A iniciativa, num primeiro momento, foi pensada para dar resposta a um desafio lançado pelo Ministério da Economia, cujo objectivo era mitigar os efeitos que se fizeram sentir no mercado pela pandemia. Hoje, já vai na sua quarta edição, sempre com uma excelente adesão. Nas primeiras três edições, a Portugal Ventures realizou 56 investimentos num total de 5,6 milhões de euros. Estão ainda em pipeline, a aguardar vez, mais dez operações através desta iniciativa. Devo também referir, a título exemplificativo, ao nível do Horizonte Europa, a promoção pela ANI do Pilar 3, dedicado às empresas e ao empreendedorismo, que conta com programas do EIC (European Innovation Council). Neste, está programado um orçamento de dez mil milhões de euros, exclusivamente dedicado a apoiar projectos disruptivos de Deep Tech [de tecnologia com base científica], onde as empresas nacionais com tecnologias disruptivas já conseguiram captar 76,6 milhões de euros. Cerca de 22 milhões de euros foram obtidos através do Acelerador do CEI (“EIC Accelerator”). Já no chamado “EIC Pathfinder”, que apoia a exploração de ideias arrojadas para tecnologias radicalmente novas, as empresas nacionais arrecadaram 4,9 milhões de euros. Destaca-se o financiamento obtido nos últimos dois anos por várias empresas nacionais, como a C2C-NewCap, Immunethep, Watgrid, Rubynanomed, Arboreabiofoods, AI- 4MedImaging Medical Solutions, Peek Health, Stemmatters ou Silicongate, e sectores de tecnologias, transportes, agricultura biológica, vinhos e saúde. Devo ainda referir o Born from Knowledge – Awards, que reconhece projectos e empresas “nascidas do conhecimento” e que mais se destaquem em actividades de Investigação & Desenvolvimento (I&D), nomeadamente colaborativa. É um prémio especial atribuído pela ANI em alguns dos mais prestigiados concursos e prémios de inovação em Portugal. Ganhar este troféu, que é materializado pela peça de arte “Árvore do Conhecimento”, da autoria do artista Leonel Moura, é sinónimo de excelência científica e de relevância social e económica. Desde 2017 já entregámos 39 destes prémios. Por fim, a ANI promove também o Born from Knowledge (BfK) Ideas, que visa distinguir as ideias de negócio provenientes de instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas, incentivando e apoiando o trabalho desenvolvido por estas e pelos seus gabinetes de transferência de tecnologia. Os vencedores do BfK Ideas terão acesso ao BfK Rise, um programa de aceleração de ciência e tecnologia para valorização dos resultados da I&D e de tecnologias existentes no Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), com potencial de comercialização. Ao longo de três meses, o BfK Rise oferece acompanhamento e capacitação intensivos a equipas com projectos de base científica e tecnológica, de forma a aproximar as soluções do mercado.
É possível estimular os investidores a investirem em Portugal? Com que medidas?
Mais do que investir em Portugal, algo que já sabemos que acontece uma vez que o País continua presente no radar do investimento directo estrangeiro, ocupando os lugares cimeiros do ranking da Europa, é necessário criar condições para o estabelecimento de um ecossistema de investimento em spinoffs e startups de base académica. Na ANI, temos apoiado e incentivado investigadores e estudantes que pretendam dar o salto para o empreendedorismo, em especial, um empreendedorismo de base académica, científica e tecnológica, que torna estas startups mais robustas do ponto de vista técnico. É crucial que a inovação seja cada vez mais entendida como um investimento. As spin-offs e as startups académicas são de importância fundamental, pois oferecem aos estudantes ou investigadores uma via promissora para a comercialização dos conhecimentos e das invenções que desenvolveram. Para tal, é importante incentivar novas competências científicas e a aceitação de novas tecnologias, algo que requer o compromisso de todos, do Governo, às indústrias, às empresas, às escolas e às universidades. O sistema científico e as empresas têm de estabelecer relações mais estruturais, sistémicas e sistemáticas e é aqui que a ANI tem concentrado os seus esforços, ou seja, nessa troca de sinergias e na transferência de conhecimento. A ANI é ainda a responsável pela capacitação do Sistema Nacional de Inovação (SNI) e pela promoção da valorização de tecnologia e de políticas de inovação. No ano em que fazemos 30 anos de agências de inovação, mantemos este papel de agregador do SNI, tendo como principal objectivo a promoção das actividades de transferência de tecnologia, potenciando a sua valorização e permitindo uma maior e melhor articulação entre o conhecimento e as empresas. Um papel crucial, que temos cumprido de forma eficaz, ajudando a criar valor a partir do conhecimento e da inovação.
Como faz a ANI o acompanhamento dos projectos apoiados, no pós-processo?
Há questões relacionadas com a defesa da Propriedade Intelectual onde há algumas dificuldades. Países como os EUA e Israel são muito activos neste acompanhamento às suas empresas. A gestão e ciente dos activos intelectuais promove a inovação, a criatividade e a partilha de conhecimento, e aumenta as hipóteses do conhecimento enquanto produto ou serviço chegar ao mercado e impactar a economia e sociedade. Posto isto, são muitas as iniciativas que a ANI promove, quer sejam oficinas, formações, mentorias e outros eventos relacionados com os desafios da inovação e da propriedade intelectual, muitos deles, em parceria com o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual. Estes apoios, sobretudo ao nível dos Technology Transfer Offices (TTO) Académicos, têm, como ponto de partida, o licenciamento de patentes, uma vez que se pretende que, através delas, se transforme as tecnologias em produtos e soluções comerciais e, consequentemente, se dê aos TTO a vantagem competitiva necessária para continuar a crescer.
No seu entender, o que falta para a concretização de um “Portugal berçário de startups”?
Acho que estamos no bom caminho, no que toca a criar um “Portugal berçário de startups”. O País tem, hoje, um dos mais vibrantes ecossistemas de empreendedorismo europeus, decorrente dos investimentos realizados na última década em qualificação de recursos humanos, infraestruturas e tecnologias, que proporcionam enormes oportunidades para quem pretende lançar ou investir em novos negócios. Desde 2016, que existe uma estratégia para o empreendedorismo nacional, com entidades como a Startup Portugal e o IAPMEI com programas de financiamento específicos para este tipo de entidades. Refiro-me ao Startup Visa, Startup Voucher e à nova Lei das Startups, que prevê um sistema de incentivos fiscais. O que falta é criar mais mecanismos e financiamento para as startups pre-seed e early stage, sobretudo para aquelas de base académica, tal como referi anteriormente. Os empreendedores referem que é necessário reforçar a verba destinada às startups tecnológicas. De quanto é essa dotação no Portugal e por que razão, havendo o desígnio nacional de tornar Portugal num “Silicon Valley europeu”, existem estes reparos da parte dos empresários? A Agência Nacional de Inovação apoia, através de várias iniciativas e programas, o financiamento a startups tecnológicas. A ANI e a Portugal Ventures criaram a Call INNOV-ID em plena pandemia, para dar resposta a uma falha de mercado ao nível de financiamento pre seed, seed e early stage, principalmente quando estava tudo parado. Até à data, a Call INNOV-ID já fez 55 investimentos, estando dez novas iniciativas em fase de conclusão. Ao todo, foram criados 250 postos de trabalho altamente qualificados, 40 dos quais para pessoas com doutoramentos. Estas startups também já registaram 24 patentes, sendo importantes também na valorização do conhecimento. Os excelentes resultados obtidos com estas três edições da Call INNOVID confirmam a nossa convicção de que, em Portugal, se produz conhecimento e inovação de base científica e tecnológica de excelência, que são competitivos a nível internacional e com capacidade de aplicação prática no mercado.
A burocracia no acesso aos fundos, após serem aprovados os financiamentos, tem sido apontada como um entrave à criação de startups e seu desenvolvimento e implica mesmo que as empresas tenham de recorrer a formas de crédito tradicional enquanto esperam. É possível acelerar e descomplicar os processos?
Estamos cada vez mais comprometidos no apoio a startups Deep Tech, em áreas prioritárias como a biotecnologia, robótica, Inteligência Artificial, materiais avançados, computação avançada ou energias sustentáveis. Através do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e ao Desenvolvimento Empresarial e do reconhecimento de idoneidade, a ANI possibilita que fundos de investimento elegíveis possam investir em empresas e startups que façam Investigação e Desenvolvimento Tecnológico (I&DT). Actualmente, estes fundos já angariaram 1,6 mil milhões de euros, sendo que 1,3 mil milhões ainda estão disponíveis para serem investidos em empresas com actividade em I&DT reconhecidos pela agência. É missão da ANI continuar a apostar em iniciativas e instrumentos que apoiem a transferência de conhecimento e inovação de base científica e tecnológica de excelência, através de parcerias colaborativas de sucesso, que acelerem e disseminem a inovação em Portugal. ~
Uma vida dedicada à inovação
Sílvia Garcia é doutorada em Biotecnologia, com pós-graduação em gestão industrial e licenciatura em Engenharia Química pela Faculdade Nova de Ciências e Tecnologia (FCTNOVA).
Conta com mais de 15 anos de experiência na indústria, tendo trabalhado principalmente na área da inovação tecnológica, tanto no sector público como no privado.
Nos últimos anos, tem-se concentrado no desenvolvimento de ideias e na sua implementação através de projectos nacionais e internacionais multidisciplinares de I&D e estabelecimento de parceria estratégica com o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) com o objectivo de promover novas áreas tecnológicas.
Liderou nos últimos anos o Laboratório de Inovação e Desenvolvimento (INCMLAB) da Casa da Moeda e Imprensa Nacional, tendo contribuído para a sua criação e desenvolvimento, tendo sido também responsável pelo lançamento e criação do Prémio de Inovação da Empresa (Prémio IN3+).
Foi investigadora sénior no ISQ (Instituto de Soldadura e Qualidade), onde também exerceu funções de técnica superior, na área da sustentabilidade industrial.
Na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) exerceu funções de técnica superior na área do licenciamento industrial, tendo também como missão o acompanhamento de políticas públicas junto da União Europeia, nomeadamente da área da responsabilidade ambiental. Iniciou a sua carreira como investigadora primeiro no IBET (Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica), tendo passado pelo ITQB (Instituto de Tecnologia Química e Bioquímica- António Xavier) e pela FCT-UNL (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa), onde se doutorou em 2006.