Opinião
“Vender” ou “Comprar” votos?
O que é mais grave, é que, tantas vezes, essa “venda” é forçada pelo poder de quem “compra”
Meu Caro Zé,
“Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, que são teus por uma razão jurídica e legal, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto (o sublinhado é meu), a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo?” Estou mesmo a ouvir-te dizer: “Mas que conversa é esta? Ensandeceste?”
Reconhecendo que não é difícil ensandecer neste mundo, tal como está, imploro o benefício de ainda não ter perdido todo o senso. É que este pequeno texto é de um conto, “A Igreja do Diabo”, de Machado de Assis, escrito na segunda metade do séc. XIX, mas que me pareceu uma “crónica” de hoje.
Não estão a “vender” votos e neste artificial construto, “Ocidente” versus os “outros”, que parece emergir da voragem noticiosa, esta “venda” aparece dos dois lados? Basta ver o que faz Musk e do que se queixam a Moldova e a Geórgia, alegando interferências deste tipo e de outros nas suas recentes eleições.
Só que, em princípio, não há “venda” sem “compra” e, a meu ver, o mal maior está do lado de quem “compra”, já que, na maior parte das vezes, é desse lado que vem a iniciativa do “negócio”. E, o que é mais grave, é que, tantas vezes, essa “venda” é forçada pelo poder de quem “compra”, sendo que o “meio de troca” do negócio não é a moeda mas a coação.
Esta observação, complementada pela discussão da legitimidade de os jornais dos Estados Unidos da América deverem ou não assumir o seu apoio a este ou aquele candidato, discussão saída à última hora ao arrepio do que acontecia nos últimos tempos, revela bem o “pântano” em que se tornaram algumas eleições. Haverá ética em pôr em causa resultados de eleições nos países que se consideram não democráticos, quando no tal “Ocidente” e, em particular, naquele país que, alegadamente o lidera, se assiste a esta paródia?
E não será de considerar que quem “vende” tantas vezes o fará por vingança da sua própria posição de “descartado”, já que o dinheiro e o poder (não serão a mesma coisa?) se impõem a todos?
Não será altura das alegadas democracias ocidentais olharem para dentro de si e assumirem que todos os cidadãos são iguais em direitos e deveres e que, numa democracia representativa, a responsabilidade de todos e de cada um dos representantes tem de respeitar esses diretos e deveres dos cidadãos, sem coação de qualquer espécie?
E poderá haver coação sem as gritantes desigualdades que se criaram e avolumaram?
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990