Opinião
Uma questão de tempo e de modo
Mas a ganância senhores, a ganância cola-se à pele dos ricos, como a fealdade ao rosto dos pobres
Aos pobres pede-se-lhes paciência. Que estudassem, pá…
Que se esforçassem, para adquirem por mérito – essa meca liberal – o seu lugar ao sol.
Aos que nascem pobres – sem que ninguém lhes ensine “a saber estar”, sem contactos no mundo dos poderosos, onde tudo se decide afinal com um telefonema – resta a falta de escolha.
Aos pobres não é permitido decidir nada.
É por isso que muitos pobres não escolhem nunca nada.
Ficam com os restos do mundo. O resto da comida, o resto da roupa, o resto das oportunidades, o resto das vagas na saúde pública.
Sem o número do telemóvel pessoal de quem decide, sem acesso aos restaurantes onde se cruzam os eleitos, sem favores para trocar, aos pobres resta a paciência.
Que esperem. Cinco gerações, dizem, para sair do círculo viciado da miséria.
Aos liberais, a visão de um bolo maior – criado com o trabalho dos pobres – é condição necessária para se poder, um dia, falar em maior redistribuição.
Para aumentar a riqueza de um país é, portanto, preciso que gerações e gerações de pobres ofereçam as suas miseráveis vidas, até ao dia em que a riqueza seja tanta que já é possível distribuir algumas migalhas pelos outros.
Acontece que, naturalmente, os pobres, esses malandros, também querem ter uma vida digna – não rica, não extraordinariamente rica, não com carros de meio milhão de euros à porta – apenas com comida até ao fim do mês e um tecto e a esperança de um futuro para os filhos.
E esperam que isso aconteça nesta vida. Não daqui a cinco gerações.
Mas a ganância senhores, a ganância cola-se à pele dos ricos, como a fealdade ao rosto dos pobres.
Nunca nada é suficiente, haverá sempre alguém com uma roupa mais cara, uma casa maior e um carro mais espampanante.
E depois, repartir riqueza com pobres? Ganhar menos? Por alma de quem?
Temos então a desigualdade económica – motor de imoralidades várias, violência, corrupção, desconfiança sistemática e outros cancros sociais – a marcar a vida dos portugueses.
Os mesmos aos quais se pede sacrifícios, a pular de crise em crise, de sorriso na cara e “ bolinha baixa”, porque o país vive acima das possibilidades.
É então este tempo, mas sobretudo o modo como se distribui a riqueza, a moldar a vida do país, o país que vê o Sistema Nacional de Saúde claudicar, o país que deixa milhares de alunos sem aulas por falta de professores, o país onde os pobres não podem ir ao dentista, nem ao oftalmologista, o país onde os pobres teimam em não ter seguro de saúde – não sabem poupar, provavelmente … - o país que nos coube em sorte e onde para arrendar uma casa, qualquer dia, teremos de vender um rim…
Valha-nos para nos alegrar, o facto de que vamos ter piscinas ao ar livre, finalmente.
Pena que seja longe da cidade e que uma piscina olímpica descoberta não sirva para atletas treinarem.
Mas isso é conversa de pobres.
Pobres e mal agradecidos!