Opinião
Tudo está bem.
Antes do Terramoto de 1755, em pleno Iluminismo, vogava em toda a Europa uma filosofia positiva de Deus: a figura da Providência.
Tudo está bem, ou tudo ficará bem, era a sua grande máxima. Concebia-se um desígnio justo e ordeiro no qual Deus era o grande amenizador e conciliador das forças selvagens da Natureza, zelando pelo bem estar do Homem.
Até que veio o grande Desastre de Lisboa, enquanto se rezava a missa no Dia de Todos os Santos, confundir todos os pensadores, politicos e clérigos. O povo, debaixo da ruínas, esse não tinha dúvidas: onde estava Deus?
À luz do que tragicamente se passou em Pedrogão; e com as noticias recentes do roubo de material de guerra de um paiol do nosso Exército, penso que o tudo está bem ainda é um principio caro ao nosso País e a muitos dos seus habitantes que tentam de tudo para não abdicar dessa “segurança divina”.
Cada vez que se publica algo, remetendo para a obrigação e necessidade de responsabilizar assiste-se a um não menos intenso contra-movimento que procura sublinhar a inutilidade e a perda de tempo que é averiguar. Essa lógica, a mim, não me merece respeito.
Sem desculpas. A tomada de decisões visando a não repetição do erro, passa exatamente por denunciar, levantar questões e processar erros e soluções.
A atitude contrária, isto é, do não questionar, não responsabilizar, não criminalizar as decisões políticas que custam vidas é essa que conserva o nosso País exatamente onde ele está: a tentar crescer, tapando os buracos para os turistas e cidadãos mais ilustres não verem.
A tentar passar despercebido, fugir com o rabo à seringa mas ter manjericos nas janelas, que é o que Portugal tem feito praticamente desde as Descobertas.
Apenas o apuramento de responsabilidade e consequente avaliação de métodos permite resolver o erro e isso devia ser claro para todos na idade moderna. Em especial para aqueles que ainda querem culpar o intangível, ilibando quem deveria tratar, informar, socorrer, planear, resolver situações assim.
Chama-se a isso governar o país e todos nós investimos mensalmente dinheiro em formas de impostos que é o suficiente para termos, por exemplo, outro tipo segurança mais eficaz e que não nos roubassem tão facilmente explosivos letais.
Dizer e acreditar que Deus quis assim e que mandou raios para Pedrogão; que os ladrões eram “bastante profissionais” daí o sucesso do roubo e que temos de estar mais serenos; dizer que não vale a pena protestar, que é preciso é fazer (o quê, como, quem, nós próprios?) como se não tivéssemos estruturas no nosso País que obviamente existem somente por prestar esses serviços a toda a comunidade, leva-nos exactamente a onde?
A aplaudirmos peidos de idiotas? A levarmos leite aos bombeiros? Ao reconhecimento de que o nosso Exército nem a si próprio se consegue proteger? Que as comissões politizadas são exactamente o braço armado do status quo e que pelos políticos isto pode arder tudo desde que as suas sondagens não desçam?
Não posso aceitar que o cidadão que lê isto se deixe enganar e guarde a raiva na algibeira, entregando o mundo a conservadores e burgueses, aos adeptos do tudo está bem, fanáticos na primeira linha de defesa da imobilidade Nacional.
Os Portugueses acordaram de um sonho. Ou melhor, foram acordados, arrancados a uma melancolia risonha de Fs atrás de Fs. Portugal ardeu, morreu, foi espoliado de material belicoso do seu Exército. Têm sido manhãs cinzentas. E a chuva. E as mudanças de tempo. Estava-se tão bem no quentinho. Está tudo rabugento. Venham as ferias. Tudo está bem.
*músico e vocalista dos Moonspell