Opinião

Tomar banho ou lavar o carro?

24 nov 2017 00:00

No futuro, o uso de um bem escasso como a água na rega de campos de golfe ou na lavagem do automóvel (há quem não dispense a limpeza semanal do mesmo) terá de ser muito bem ponderado.

Portugal enfrenta a seca mais grave desde que há registos meteorológicos sistemáticos, datados de 1931, e a situação pode agravar-se. Vários especialistas têm alertado para o avanço do deserto nos países do Norte de África, cujas consequências se farão sentir também por cá.

O País poderá, no futuro, ter um clima semelhante ao de Marrocos ou da Argélia e enfrentar secas de vários anos seguidos, como explicou há dias Filipe Duarte Santos, que dirigiu o projecto Alterações Climáticas em Portugal: cenários, impactos e medidas de adaptação.

Redução da precipitação anual entre 20 e 35%, mais ondas de calor, e mais prolongadas, aumento médio da temperatura, que pode ser de 6ºC até ao fim do século no interior do País, são alguns dos aspectos do cenário mais dramático previsto por modelos físico-matemáticos, alerta igualmente Pedro Matos Soares, geofísico e investigador do projecto Cenários de Alterações Climáticas.

Uma coisa parece certa: a água vai ser um bem raro. É sabido que o desperdício de água continua a ser uma realidade, não apenas por cada um de nós, muitas vezes sem nos darmos conta, mas também na rede pública. Há que mudar mentalidades e hábitos, enraizados e vistos como garantidos, mas que poderão deixar de o ser a médio prazo.

No futuro, o uso de um bem escasso como a água na rega de campos de golfe ou na lavagem do automóvel (há quem não dispense a limpeza semanal do mesmo) terá de ser muito bem ponderado. Certamente que ninguém desejará chegar ao extremo de ter de escolher entre tomar banho ou lavar o carro.

Muitos de nós já não se recordarão, mas ainda há menos de 30 anos havia na região inúmeras localidades sem abastecimento público de água, o que obrigava as populações a sacrifícios acrescidos, sobretudo no Verão, quando a água escasseava. Nesses tempos, o aproveitamento deste bem precioso era a regra.

Com o “luxo” que passou a ser abrir a torneira e ter água, não apenas fria mas também quente, rapidamente nos esquecemos que o cenário pode mudar. Habituadas desde sempre à escassez de água, as gentes das freguesias serranas do concelho de Porto de Mós desenvolveram estratégias para contornar o problema, sendo disso exemplo os Telhados de Água da Mendiga e de Serro Ventoso, que permitem aproveitar e transformar a água da chuva em água potável, e de que damos conta nesta edição.

Mesmo depois da chegada da rede pública, os sistemas continuaram a funcionar e ainda hoje são utilizados pelas populações. Não será pior ideia pôr os olhos neste exemplo para dele tirar lição. Vários municípios estão a tomar medidas de poupança de água, que poderão servir como exemplo para os cidadãos.

A redução ou suspensão da rega dos espaços verdes públicos, adoptada por Porto de Mós e Leiria, é uma delas. Este último município está também a promover a campanha Nós poupamos a água, que vai ganhar forma através de um concurso de desenho infantil destinado a crianças dos jardins de infância e alunos do ensino básico, suas famílias e docentes. Porque é de pequenino que se ganham bons hábitos!