Opinião
Televendas
Do dinheiro das limpezas que faz depois do trabalho no escritório, conseguiu poupar, há tempos, meia dúzia de euros para comprar uma cabeleira postiça
Escorregou no chão da casa de banho do escritório que limpa ao fim do dia. O corpo baixo e o excesso de peso não conseguiram protegê-la da fissura no osso ilíaco que se esconde debaixo da pele fofa que lhe cobre a anca. Coxeou a custo até ao transporte que a levaria ao hospital onde demorou cinco horas a ser atendida.
Não tem condição para ter dias de baixa nem dinheiro para parar de trabalhar até que a dor melhore e a fissura feche. O marido recupera devagar de um AVC paralisante e de um tumor que parece querer acordar. Adoecer significa parar uma vida em comum cuja subsistência depende dela.
Na paragem do autocarro à saída do hospital conta o dinheiro para comprar o remédio para as dores e o creme para desfazer o hematoma decorrente da queda. À noite, tem de cozinhar sentada para apaziguar o desconforto da fissura e da nódoa negra que alastra até ao limite da saia.
O arroz chega para as duas refeições seguintes. Mas a carne que dá força para o trabalho é já pouca para alimentar duas bocas adultas. Além do corpo baixo e roliço, uma herança familiar que não lhe trouxe privilégios genéticos ao contrário dos outros irmãos, tem sofrido nos últimos anos de uma queda de cabelo severa.
O tempo de que o corpo precisa para recuperar dos desgostos parece não deixar o cabelo crescer, assegura-me. Do dinheiro das limpezas que faz depois do trabalho no escritório, conseguiu poupar, há tempos, meia dúzia de euros para comprar uma cabeleira postiça que simula o penteado frondoso que lhe ocupa os sonhos mais frívolos.
Um dia depois da queda, enquanto engoma roupa na casa onde trabalha a dias, vê em anúncios de televendas que anunciam soluções milagrosas, como a promessa de uma cabeleira farta em apenas três semanas, em troca de alguns euros. Muitos. Tem fé.
E há dias fez-me crer que por baixo do remate de fita sintética de onde saem os fios de cabelo postiço, nascem já os primeiros caracóis grisalhos de um cabelo que permanece crespo, em nada igual à cabeleira frondosa estampada na caixa do produto anunciado no canal das televendas, que traz agora dentro da carteira.