Opinião
Querido outono, bem hajas!
Será que o outono “é mais uma estação da alma do que da natureza” como diz Drummond de Andrade?
Não sei qual será a razão, mas desde criança sinto que o outono tem uma dignidade que o torna a minha estação do ano preferida.
Lembro-me bem de como, na escola primária, fui olhada com estranheza pela professora e colegas da minha turma quando, numa redação, dei conta e tentei justificar essa minha preferência.
Claro que as belíssimas cores das folhas e o seu cair permitindo-me descobrir, por entre os troncos a desnudarem-se, outras paisagens até então escondidas de mim, o equilíbrio perfeito entre o frio e o calor, “frio suficiente para refrescar o calor e quente o suficiente para aquecer o frio”, que me deixava brincar livre dos grossos casacos de lã ou das paragens forçadas sentada a uma qualquer sombra, mas também o pensar em como os campos, agora já com algumas pocinhas de água e sem os horrores do calor ou do frio extremos, se tornavam uma melhor casa para os animais que por lá viviam foram, certamente, os argumentos que enunciei na minha redação para justificar esse meu gostar mais do outono!
Porém, sempre soube que este meu “gostar mais” andava misturado com algo que na altura, talvez por vergonha, eu não me atrevia a contar.
Empoleirada numa macieira “starking” de quem me tornei amiga (tantas foram as horas que com ela passei a comer as suas deliciosas maças e a ler os livros que apanhava a jeito lá em casa), inicialmente, com tristeza, outono após outono, observei como tantas plantas e insetos, serenamente, se deixavam morrer e percebi espantada como a morte, quando aceite como natural por quem se sente a morrer, pode ser serena, sem carpideiras à mistura!
Percebi que por tantas vezes ocorrer, na Natureza, se torna banal morrer e também como ela apenas implica um fim para o ser que morre, não arrastando consigo, dos outros, mais ninguém.
Por fim, foi também no outono que descobri algo que me maravilhou! Encontrei na vida, a transitoriedade da morte! Dela, fazendo viver de forma consciente ou não sentires e agires dos que partiram, emergem vidas reorganizadas e mais ricas e é no meio do enganador “vazio caótico” deixado pela morte que quem vive se empenha na procura de novos equilíbrios e por isso se evolui e a vida acontece!
Dir-me-ão que esta minha visão da morte é muito otimista! Pois será, mas a culpa é do outono!
O que querem? Nas roupagens avermelhadas e castanhas com que as folhas se vestem para se despedirem das suas árvores, em vez de um prenúncio de morte eu apenas vejo a beleza da vida!
Será que o outono “é mais uma estação da alma do que da natureza” como diz Drummond de Andrade? Não sei, só sei que foi o que o meu querido outono me ensinou que me fez, em criança, após a morte da minha avó fazê-la, na minha vida, viver.
Só sei que hoje é ele que me continua a inspirar para que no tempo que me resta, como a amendoeira disse ao poeta, eu me “outonize” com dignidade!
Otimismo? Pois que seja, para si...
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990