Opinião
Quando os mercados e o poder político falham
As tensões sobre o mercado imobiliário ocorrem em vários países devido ao acentuado processo de urbanização e de fluxos migratórios
Parece ser um ponto irrefutável que o problema estrutural do mercado de habitação no País assenta no desequilíbrio entre a oferta e a procura.
No início deste século, Portugal tinha 3,5 milhões de agregados familiares. No ano passado, o número foi de 4,2 milhões. Ou seja, em duas décadas, o País tem mais 700 mil agregados e, em média, com uma pessoa a menos em casa.
A habitação é um elemento estruturante da vida social e reflecte as dinâmicas sociológicas da população. Nos últimos vinte anos, a população residente no País aumentou em cerca de 225 mil habitantes, houve cerca de 520 mil divórcios e um fluxo migratório (imigrantes menos emigrantes) de 118 mil pessoas. Apesar de Portugal ser um país de demografia envelhecida e de baixa natalidade, sociologicamente, aumentaram as tensões populacionais sobre a habitação.
Pelo lado da oferta, nos últimos vinte anos, a construção de novos fogos tem sido oscilatória. Houve uma fase crescente durante a primeira década com cerca de 900 mil novos fogos, seguida de um declínio após a crise internacional de 2008 e o período troika onde só foram construídos 158 mil novos fogos. Lentamente, as novas construções começaram a subir a partir de 2016, mas não tem sido suficiente para satisfazer a procura.
As tensões sobre o mercado imobiliário ocorrem em vários países devido ao acentuado processo de urbanização e de fluxos migratórios. E em todo e qualquer mercado, o excesso de procura sobre a oferta torna-se uma oportunidade de entrada para os negócios lucrativos. Ao longo do tempo, os mercados acabam por se reajustar. No caso da habitação, o tempo de espera para o reajustamento tem criado graves problemas sociais, indicando uma falha no mercado. E, quando há falhas de mercado, cabe ao Estado fazer intervenções correctivas. Uma das intervenções previstas é o investimento público.
Na Europa, países como Suécia, Reino Unido e Países Baixos, dedicam mais de 3% do PIB em políticas de habitação. Portugal, Espanha e Grécia gastam menos de 1% do PIB.
No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), há o Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, o denominado 1º Direito. Leiria tem sido um pólo de atractividade de novas populações. Segundo o Censos 2021, as freguesias mais urbanas de Leiria tiveram um aumento populacional médio de cerca de 9%, sobretudo com imigração. A Leiria urbe já tem um grave problema habitacional, mas a câmara municipal (CML) tem-se demitido da sua função correctiva.
No programa do 1º Direito do PRR, Leiria executou até agora apenas 1,3 milhões de euros, 24 soluções habitacionais. A CML limita-se a licenciar novas construções a preços de elite, acentua a vulnerabilidade do direito à habitação e agrava o problema da mobilidade urbana. O que se espera do Estado é que seja parte da solução e não do problema.