Opinião
Quando foi que nos esquecemos de onde viemos?
A solidariedade das comunidades desapareceu, a solidão entranhou-se nas famílias
Desde o êxodo rural em massa que se vive pior.
Quando as grandes comunidades familiares se desagregaram, com núcleos reduzidos a pai, mãe e filhos, educar crianças, viver e tomar conta de séniores tornou-se uma tarefa hercúlea.
Nas grandes famílias de antigamente, as crianças tinham uma rede de suporte alargada, as aprendizagens de como ser pai e mãe faziam-se por imitação, pequenas grandes rotinas na educação eram passadas de geração em geração e não se panicava à primeira febrícula de uma criança.
Os velhos envelheciam dentro da família, havia um tempo humano de se ter tempo, sabia-se o tempo que frutas e legumes demoravam a amadurecer, via-se o tempo passar pelas rugas dos avós, pelos hábitos e memórias, pelas décadas em que uma árvore se tornava adulta.
Agora, enjauladas entre quatro paredes citadinas, as pequenas famílias de hoje estão entregues a si próprias.
Do júbilo da independência recém-conquistada, muitos jovens casais encontram-se, às primeiras dificuldades, entregues a si próprios, sem o conforto e segurança que a experiência dos mais velhos pode proporcionar.
Corre-se então para o médico de família ao primeiro sinal de febre infantil, a vida desorganiza-se com uma criança doente em casa – não há ninguém com quem ficar – e os mais velhos tornam-se o grande estorvo a quem é preciso acudir - queda após queda - até à ida final para um lar, difícil de encontrar e caro, onde estranhos ocupam o lugar da família ausente.
Parece que o “progresso” se tornou profundamente antinatural. Vivemos afastados dos “nossos”, reféns da vida moderna, profundamente desabitada dos outros.
Os vizinhos são estranhos, a cidade tem uma teia de viúvas solitárias, a sociedade organiza-se em ATL´s para os mais pequenos e instituições que levam comida a casa e cuidam da higiene dos mais velhos.
Somos mais felizes assim?Acredito profundamente que não.
A solidariedade das comunidades desapareceu, a solidão entranhou-se nas famílias, a vida de relação com os outros quedou-se pelos mínimos olímpicos.
Este profundo mal-estar social é insinuante, discreto. Crescemos com ele e dificilmente recuamos o suficiente para ver a vida de hoje como ela realmente é.
Ganhámos muito: mais conforto material, mais independência, mais direitos.
Mas a pergunta insiste em atormentar-nos: se ganhámos tanto, porque não somos proporcionalmente mais felizes?
Responda quem souber…