Opinião
Prémio de desempenho
Pouco depois do seu nascimento perdera o útero, o reservatório capaz de gerar nova vida. Talvez secasse assim.
Como esquecer, como não esquecer.
Luís Quintais
Decidira viver morta. A dor lembrava-lhe todos os dias que faltava apenas a burocracia do fim. O corpo incomodava-a desde há muito tempo. Era um cárcere onde se materializava tudo aquilo que ela não queria ser. E por isso declarara o óbito dentro do corpo decadente. Ele que tratasse do resto. Tornara-se angulosa, como se cada articulação fosse uma esquina que a vida real já não queria dobrar.
O único filho que tivera já era maior do que ela. Ultrapassara-a em dimensão e via alguns patamares acima. Pouco depois do seu nascimento perdera o útero, o reservatório capaz de gerar nova vida. Talvez secasse assim. Mas a burocracia da morte, tal como a outra, tardava a cumprir-se; e colocava-a no rodopio estéril dos dias.
Na penúltima repartição, o funcionário recusara-se a carimbar o requerimento para a antecâmara do fim. A almofada do carimbo tinha tinta, as letras ficariam nítidas no papel mas a recusa era liminar.
Entregou-lhe o processo agrafado, três vias, com a resolução a negrito irrevogável: INDEFERIDO. Enquanto folheava as páginas, relendo as letras inesperadas, o papel fizera-lhe um corte muito fino no dedo magro. O sangue tingiu indelevelmente o processo. A dor do golpe ocupava-lhe agora, inesperadamente, a atenção. Não podia passar à repartição
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