Opinião

O prisma desfocado

20 ago 2021 15:45

Excesso de informação redunda em desinformação. E essa constatação assumiu maiores proporções com a pandemia, que conjugou o medo com a histeria colectiva

O avolumado (re)fluxo das novas tecnologias conduziu a uma mudança de paradigma e a um embate desmedido na democratização do (des)conhecimento.

Esta transformação reveste-se de inúmeras perversidades que desaguam na comercialização desenfreada de equipamentos electrónicos - computadores, tablets ou telemóveis inteligentes - e na congestão (in)utilitária da internet, talvez comparável à massificação da tipografia no século XV.

Contrariamente ao que sucedera então, hoje as “leituras” desacertam e toldam a sociedade. Excesso de informação redunda em desinformação.

E essa constatação assumiu maiores proporções com a pandemia, que conjugou o medo com a histeria colectiva.

As preocupações com as gerações mais novas, com o comprometimento da sua educação, não somente centrada no currículo académico, mas assente na partilha e na primazia da relação interactiva da pedagogia enquanto arte, o domínio e a capacitação de competências sócio-emocionais, o acesso ao mercado de trabalho, a saúde mental e a prática da cidadania, foram irrevogavelmente relegadas para um plano secundário.

Nesta fase do processo de imunização tal é, reiteradamente, negligenciado por algumas vozes que clamam mais por uma vacina do que por todas estas rubricas candentes que perpetuarão a pandemia para além da sua profilática debelação.

Os meios de comunicação social tradicionais foram substituídos, em larga medida, por posts no Facebook, mensagens no Whatsapp e fotos no Instagram.

Se é verdade que a descentralização do conhecimento, que séculos antes era um bem exclusivo de alguns privilegiados, constituiu um avanço civilizacional, não é menos verdade que acarreta perigos, que se nutrem da insuficiente literacia digital da população.

Os rumores, as notícias falsas e a manipulação de dados que brotam de inúmeras e anónimas fontes inundam os nossos feeds de notícias a um passo alarmante.

É neste contexto de erosão da confiança na autenticidade do que lemos, vemos ou ouvimos, que se torna imperativo não apenas um investimento profundo e sistemático em soluções tecnológicas que mitiguem estes riscos mas, sobretudo, uma aposta na literacia do sentido crítico e capacidade reflexiva (“analógica” e digital).

O acesso global à Internet criou uma epidemia de informações, designada pela OMS de Infodemia.

A confiança está no cerne das relações humanas em todos os níveis etários, classes sociais e graus de cultura e escolaridade. E a sua perda ou comprometimento destrói o capital humano.

A afeição mútua e o respeito integram este axioma, indo muito além dos algoritmos em que nos enredam as tramas digitais.

Estas isolam, enfraquecem e desumanizam, coagindo a um pensamento dissociativo.

Este é o século mais solitário de que a Humanidade tem memória.

O Homem foi concebido para ser gregário. E o organismo humano reage fisiologicamente ao percepcionar a solidão como um estado, segregando (em excesso), hormonas que activam respostas de stress e ansiedade, ou manifestando (em défice) outras que causam depressão ou anedonia.

Revelar gratidão àqueles que se predispõem para o gesto compassivo é a chave do confronto desta desfocagem da realidade.

Por isso é tão actual a frase de Nietzsche: “Quando, acima de tudo, nos amamos a nós próprios, o maior prazer que encontramos - por meio da compaixão - pode levar-nos a mostrarmo-nos cruéis para connosco”.