Opinião
O luto em Abril
O luto é uma resposta natural à perda.
No passado dia 25 de Abril celebrámos o Dia da Liberdade e da Democracia.
O Lleonard, o meu “pare català”, haveria de me ligar a saber como estamos e festejar connosco.
Desde 1974, ano após ano, o celebrou com cada um dos portugueses que desejam a liberdade e viver em democracia, tal como ele desejava para o seu país. Muitas vezes me dizia “Vocês são o que nós catalães poderíamos ser!”. E contava-me a história da perda da independência da Catalunha para Espanha.
Gostava de nós, trazia o nosso povo no seu grande e energético coração. Era um apaixonado pela liberdade do ser e do sentir.
Nesse dia também haveria de me dizer que, apesar deste momento distópico que todos estamos a viver, o 25 de Abril tem de ser celebrado e recordado para memória futura como forma de interceptar toda esta calamidade.
Assim o fizémos. No primeiro dia da quarenta falámos por videochamada, trocámos informações sobre o estado dos nossos países e o sobre o nosso estado de ânimo. Dez dias depois as piores notícias chegaram.
No segundo dia de Abril o Lleonard partiu.
Em conversa com uma grande amiga, esta contava-me que lera um artigo sobre no mundo haver pelo menos alguém que nós conhecemos que perdeu alguém próximo pela covid-19.
É uma realidade que introduz a tristeza e também a dimensão do luto individual e colectivo. Eu sou uma dessas pessoas do mundo.
E, de repente, de um dia para o outro tudo fica próximo demais, duro de mais, traumático demais.
Sem a possibilidade do abraço, sem a cerimónia participada por todos, sem uma despedida acompanhada, o luto corre o risco de ficar como que parado no tempo, suspenso e adiado para um tempo que virá, uma possibilidade que chegará.
E até esse dia, tudo pode doer muito cá dentro.
O luto é uma resposta natural à perda.
Tem uma dimensão adaptativa que permite chegar dentro de nós à aceitação da perda e à transformação da dor e da própria relação.
Porém, neste momento de isolamento social necessário para evitar a propagação do coronavírus e promover a segurança de todos, a tristeza e a possibilidade de a expressarmos no “colo de liberdade” de alguém, pode ser a “emoção-farol” que nos guie e nos dê tempo a esta dor, criando possibilidades de partilha, de encontro e conforto na escuta do outro e assim também prevenir sentimentos de impotência e de culpa.
Lidar com a dor da perda numa situação destas tão traumática, de alguém que morreu são e a transbordar de vida, à mercé destes novo coronavírus, sem piedade nem dó, convoca-nos a contactar com a profundeza das nossas vulnerabilidades e fortalecer a resiliência, o afecto, a possibilidade de sentir e, ao mesmo tempo, partilhar e de chorar a dor.
Porque nós somos seres de relação e tudo isto conta.
No final da nossa conversa telefónica falámos deste livro “O ano do pensamento mágico” de Joan Didion.
É o livro que a minha amiga está a ler. Desliguei e fui à minha biblioteca. Também o tinha.
Uma partilha antiga a propósito do luto e da tristeza de uma pessoa que acompanho em psicoterapia.
Comecei a ler. Começa assim: “A vida muda rapidamente. A vida muda num instante. Sentas-te para jantar e a vida, como a conheces, termina.” (p. 9).