Opinião
Não vai ficar tudo bem
Vamos ter de aprender a viver de outras formas e quanto mais depressa metermos isso na cabeça, melhor.
“Vai ficar tudo bem”. “Tudo vai voltar ao normal”. “Acredite”. “Voltaremos a sorrir e a estar juntos”. Não.
Não vai ficar tudo bem. Não, não vai tudo voltar ao normal.
Não, não voltaremos a estar juntos como dantes por muito tempo.
E sorrir, bom, só depende de como cada um está a conseguir lidar com isto e como cada um vai conseguir lidar com isto quando nada voltar ao normal e nada ficar bem.
Vivo num país, Espanha, onde, até ao momento em que escrevo estas linhas, 20 de Abril, morreram 20.852 pessoas e há registo de 200.210 infectados. Numa comunidade autónoma, Catalunha, onde até 19 de Abril morreram 8.273 pessoas, das 42.610 infectadas.
Numa cidade, Barcelona, em que até 17 de Abril morreram 2.150 pessoas.
Mais concretamente, entre os bairros de Sagrera e El Congrés i els indians, no distrito de Sant Andreu, que faz “fronteira” com Horta-Guinardó e Nous Barris, três das cinco zonas com mais casos registados.
Compreenderão, pois, que me custe engolir a conversa paternalista e descabidamente aspiracional dos slogans publicitários que (principalmente, mas não só) muitas marcas nos tentam impingir nos dias que correm.
Aqui como aí. Mas particularmente aí, no país do “como está bom tempo viemos dar uma voltinha para aliviar o stress” e do “eu sei que não posso passar para este lado, mas como não vi gente passei, mas vou já para casa”. Caraças.
Cá em casa, trememos de cada vez que temos de ir ao supermercado a 100 metros da nossa porta, que é desinfectado duas vezes por dia e onde só estão no máximo 10 pessoas ao mesmo tempo.
Como é que querem que um gajo acredite que tudo vai voltar ao normal? Vamos ter de aprender a viver de outras formas e quanto mais depressa metermos isso na cabeça, melhor.
A conversa do “Tudo vai voltar ao normal”, além de nauseante e mentirosa, só atrasa o futuro.
De economia não percebo nada, mas as coisas só não se resolvem se quem tem de as resolver não quiser.
Da vida também não percebo muito, mas as coisas só se resolvem se tratarem as pessoas como pessoas e não como beatas que não podem ir à missa.
Neste entretanto, se puderem, comprem discos, livros e bilhetes para espectáculos que só vão acontecer daqui a meio ano.
Não alimentem os “chegófilos” e afins nas redes sociais.
Façam pão e receitas da Teleculinária, playlists no Spotify, vejam “Ozark”, na Netflix, “Mrs. America”, na HBO, “The Path”, na Amazon Prime Video e a Telescola na RTP Memória.
Sorriam, sempre, mas não acreditem que vai ficar tudo bem.