Opinião
Na rentrée tudo igual?
As reformas estruturais não são compatíveis com estratégicas de curto prazo, típicas dos que visam ganhos eleitorais
Meu Caro Zé,
Numa praia do Algarve, num dia de nevoeiro que deixava uma boa vintena de metros de visibilidade à beira-mar, vejo, inesperadamente, a bandeira amarela ser substituída pela vermelha.
Como bandeira vermelha implica proibição de entrar no mar e as pessoas continuavam lá dentro sem que o banheiro reagisse, perguntei-lhe por que razão havia içado essa bandeira, preocupado que fiquei com alguma anormalidade que justificasse a decisão.
Respondeu-me que era por estar nevoeiro, tendo eu referido que a bandeira amarela era a sinalização adequada, tanto mais que as pessoas continuavam dentro de água.
Confrontado com esta opinião, respondeu com uma pergunta? “Quer ensinar-me a fazer o meu trabalho?”.
O modo como o abordei, na opinião de familiares que observavam a cena, terá tido alguma responsabilidade na resposta e no abuso de poder do banheiro.
E isto conduziu-me ao modo como o “poder” é entendido em Portugal.
O seu abuso é permanente, ou porque a oposição, como eu eventualmente terei feito, é demasiado agressiva e menos dialogante ou porque, se, e quando, o é, o “poder”, em vez de o reconhecer (tal, aliás, como muitos membros da oposição), alavanca o seu abuso.
Em minha opinião, este comportamento reside no modo quase canino como o partido é entendido, sendo o seu objetivo, na prática, a conquista do poder para ser exercido em benefício próprio e dos seus apaniguados, à custa do “bem comum”, fim último do serviço à sociedade.
Em vez de sentirem a responsabilidade de servir, que resulta do “poder” que o povo lhes outorga, usam esse poder, em geral, como o banheiro que referi.
Venho, constantemente, alertando para o que vai ser a aplicação da “bazuca”, já inquinada pelo modo como foi desenhado o plano dessa aplicação.
Foi unanimemente reconhecido que este instrumento é a grande, quiçá única, oportunidade para concretizar reformas estruturais.
Ora, estas não são compatíveis nem com visões parciais da sociedade, nem com lógicas de curto prazo, exigindo um largo e sustentado consenso social.
Nada disto foi feito, apenas sendo lançado um simulacro, em tempo restrito, de consulta pública, cujos resultados se ignoram em absoluto, na tal lógica do “já te ouvi!”.
Por outro lado, as reformas estruturais não são compatíveis com estratégicas de curto prazo, típicas dos que visam ganhos eleitorais, como é já bem visível nas próximas eleições autárquicas.
Li num jornal que os dinheiros da “bazuca” são relevantes para as eleições locais, dado o modo como os dinheiros vão ser distribuídos. E quem os vai distribuir?
Para já, começando por ilibar, sem julgamento, autarcas prevaricadores invocando uma lei de Passos Coelho, distorcendo-lhe o sentido de aplicação.
Só que, agora, no modo como a “bazuca”vai ser usada, não há Passos Coelho para servir de bode expiatório.
Depois choraremos lágrimas de crocodilo pelo recrudescimento dos regimes autocráticos, quando desfiguramos, cada vez mais, a face da democracia.
Até sempre.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990