Opinião

Música | Sobre el rio

7 mai 2021 20:30

"O projecto Nascentes é, garantidamente, um dos momentos mais interessantes de que tenho memória nos últimos tempos"

Nascido e crescido por estas bandas creio que fui, pela primeira vez, às Fontes e à Nascente do Lis já quase a entrar nos entas e, ao chegar, de imediato, assola-nos aquela questão “como é que nunca cá tinha vindo antes?”.

Além de ser um espaço idílico e inspirador, junto a uma aldeia que transporta tradição e comunidade, a cada visita parece que o relógio pára, que entramos numa outra dimensão onde pouco interessa além daquilo que nos rodeia e vimos, ouvimos e sentimos. 

Creio que, por sorte ou porque realmente tem de ser, a rede do meu telemóvel não tem sinal assim que atravesso a placa “Fontes” e ver nascer entre a grota e o Espaço Serra, o projecto Nascentes é, garantidamente, um dos momentos mais interessantes de que tenho memória nos últimos tempos. 

Partindo de uma adaptação do conceito da ecologia de saberes, de Boaventura Sousa Santos, onde o pensamento académico se confronta com outros saberes e outras interpretações (neste caso co-criações de música e as artes visuais) e observa, ouve e respeita o território e as suas gentes, este desafio ao longo de cinco semanas vai colocar cinco investigadoras e dez artistas a olharem para as Fontes e para a nascente a criarem peças visuais e sonoras para um circuito expositivo a céu aberto e vai sobretudo, explorar e reflectir sobre a dialéctica, o processo de co-criação e o confronto dos vários saberes.  

Na primeira semana, Vasco Silva dos Whales e Pedro Pestana dos 10.000 Russos gravaram sons de árvores, de pássaros, de pedras, de água, exploraram o tema “A Nascente como criação” para desenvolverem um tríptico musical onde os sons da fauna e da flora desafiam instrumentos musicais como quem traduz um circuito da própria água desde a sua viagem desde a montanha até ao curso do rio. 

Chamaram-lhe “Sobre El Rio” e pelas margens da nascente começa, semana após semana e até ao final de Maio, a ver-se (e a poder ouvir-se) o resultado de um projecto que só se esgota depois de explorado o processo de reflexão, de criação e o resultado final em podcasts, vídeos e num livro com disco. 

Esta semana, João Hasselberg está a trabalhar com Surma, para a próxima Edgar Valente (Criatura) junta-se a João Cabrita. Na seguinte, Pedro Melo Alves junta-se a Labaq e as parelhas acabam com César Cardoso e Inês Bernardo. 

Ninguém sabe nem imagina o que daqui sairá, de que forma se vão relacionar com as peças visuais, com os temas lançados, com as pessoas e com o local que tem apaixonado todos os que se vão juntando ao projeto, e este salto no desconhecido e os processos de co-criação de uma semana intensiva cada, são absolutamente memoráveis.  A possibilidade de os ir registando e dissecando vai ser tão ou mais importante, do que o resultado final que se vê e ouve naquele pequeno paraíso aqui ao lado.