Opinião
Música | Leva-me a um sítio bonito
Muitas das bandas que só cá chegavam via cassete no pátio da escola secundária, lá era possível “tropeçar” nelas ao vivo, num qualquer concerto num bar sujo e pequeno
Stuart Braithwaite, principal compositor e rosto da banda escocesa Mogwai lançou, em 2022, um livro de memórias bastante comovente. É interessante constatar que um puto (ele) dos anos noventa em Glasgow, e um outro (eu) da mesma idade e na mesma altura, mas em Leiria, podiam ouvir as mesmas bandas.
Ainda sem internet, as conexões estéticas eram as mesmas (havia de facto um circuito independente) mas um novo mundo existia lá na ilha britânica, um epicentro e rota comercial musical. Muitas das bandas que só cá chegavam via cassete no pátio da escola secundária, lá era possível “tropeçar” nelas ao vivo, num qualquer concerto num bar sujo e pequeno.
Acompanhar o surgimento de uns Jesus & Mary Chain deve ter sido bem bom. No final dos anos 80, Portugal ainda não tinha um circuito de festivais regular, que só se materializou a meio da década seguinte. Já o autor, com a circunstância de ter uma irmã mais velha, teve a sorte de ver, ainda em 1989, uns então desconhecidos Nirvana a tocar num palco secundário do festival Reading. São estórias que ficam, excessos da vida na estrada que acontecem, e desmistificações que se clarificam.
Os Mogwai têm um tema chamado "Take Me Somewhere Nice", que pode remeter para um contexto quase zen. Mas não: o título aparece quando Stuart, após ter ingerido umas drogas a mais, teve um ataque de pânico, fugiu do hotel, meteu-se sem rumo dentro de um táxi, e suplicou ao motorista… take me somewhere nice!
Em entrevistas recentes ao jornal Público, o filósofo francês Frédéric Neyrat disse que precisamos de nos expor, aceitar que não sabemos. Também a filósofa Maria Molder lembrou Heráclito: “achou que, para os seres humanos, a melhor coisa não é que aconteça tudo quanto querem. Será que estaremos algum dia preparados para entender isto?”.
Os Mogwai tocaram em Paredes de Coura em 1999, e diz quem viu que foi um concerto memorável, lá está, muito pacificador, pastoral, bucólico e tal… Segundo o livro das suas memórias – Spaceships Over Glasgow: Mogwai and Misspent Youth – o músico afirma que estava muito mal física e mentalmente, afundado em drogas duras e que só lhe apetecia morrer por não aguentar tamanhas ressacas umas atrás das outras. Mas fez uma atuação fantástica, foi o que ficou. Assim como em fevereiro de 2004, no então Paradise Garage, em Lisboa – a esse eu assisti – e sim, foi um concerto fenomenal, reparador, que me levou para um sítio bonito.
Descobri agora que Stuart ainda não estava nesse sítio belo, só o conseguiu anos mais tarde. As nossas perceções falham muitas vezes. Estamos num meio mediático onde tudo se comenta, um aparente superpoder especial onde tudo é assunto. Se calhar precisamos todos de ir para um sítio melhor.