Opinião
Mecenato
José Lúcio da Silva, um dos pioneiros na indústria dos plásticos, partilhou com a comunidade 10 mil contos da sua fortuna (cerca de quatro milhões e meio de euros a valores actuais)
Este ano o Teatro José Lúcio da Silva comemora cinco décadas de existência, sendo claramente a sala de espectáculos mais importante de região. Só o ano passado, aliás, é que o concelho teve a capacidade de acrescentar um equipamento novo – o Museu de Leiria – com potencial para assumir uma relevância cultural idêntica, sendo que o M|i|mo ficou aquém das expectativas e o Centro Cívico é um projecto claramente falhado.
É curioso perceber como é que na década de 60 do século passado, período de enormes dificuldades e sem os fundos europeus que mais tarde tudo permitiram, foi possível que Leiria tenha recebido um equipamento cultural tão ambicioso e de tanta qualidade. Mecenato, é a resposta. José Lúcio da Silva, um dos pioneiros na indústria dos plásticos, partilhou com a comunidade 10 mil contos da sua fortuna (cerca de quatro milhões e meio de euros a valores actuais) e permitiu que Leiria tivesse uma sala de espectáculos digna de uma capital de distrito.
Foi um benemérito como é raro ver-se no nosso País, onde a prática do mecenato é pouco comum, ao contrário do que acontece nos países anglo- -saxónicos, nomeadamente nos Estados Unidos da América. Por cá, como em outros países latinos, a ostentação característica da cultura católica tem levado a que os mais abastados optem pelo reforço do seu património em detrimento do mecenato, excluindo, naturalmente, as doações às instituições religiosas.
Será essa uma das razões que explicam que nos países maioritariamente protestantes as artes e a investigação cientifica sejam mais desenvolvidas e ousadas. Há outra mentalidade, outra cultura, outro desprendimento face ao dinheiro e aos bens materiais. Há também, naturalmente, outros resultados. Pena é não haver mais pessoas como José Lúcio da Silva. Ganhávamos todos. Até os próprios...
O grande mecenas das últimas décadas foi a União Europeia, que Portugal integrou de pleno direito, faz este mês 30 anos. Foram mais de 96 mil milhões de euros que recebemos de fundos e que permitiram tudo e mais alguma coisa. Muito foi feito num País que sofria de grande atraso e que tinha um défice enorme em diversos serviços e infra-estruturas básicos.
O impacto positivo que a adesão à União Europeia teve em diversas áreas, desde a educação à saúde, passando pela modernização do tecido empresarial e pela oferta cultural, é inquestionável. No entanto, houve também um enorme desperdício, muito dele sob a forma de roubo, para chamar as coisas pelos nomes.
Fez-se muito, é certo. Mas tínhamos a obrigação de fazer mais. De estar hoje mais perto dos nossos parceiros europeus. De termos ganho capacidade para criar mais riqueza, sermos mais competitivos, termosumníveldevidamais elevado, sermos mais qualificados. Ter-se-á novamente que evocar a nossa matriz católica, com a ostentação e vaidade que lhe são características, para perceber parte da razão do insucesso.
Para relembrar os muitos milhões que vieram para modernização de empresas e para formação que acabaram a financiar carros, barcos e casas de praia. Ou as obras faraónicas com que alguns dos nossos políticos tentaram inscrever os seus nomes na história e ganhar as eleições seguintes.