Opinião

Letras | Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa

20 abr 2023 18:04

O poeta de cá, que olhou mais além, como os navegantes, lançou âncora no amor que à terra se pode ter, olhando para o mar, para o futuro

Afonso Lopes Vieira (Edição António Manuel Couto Viana)

Nascido no coração de Leiria em 1878 e com raízes nas Cortes, onde o seu tio-avô se apresentava como poeta de nomeada e um dos grandes representantes do Ultra-Romantismo. Cedo se mudou para Lisboa e aí também em tenra idade começa a escrever, mas apenas em 1897 edita Para quê por ser um crente no perfeccionismo. Reflete na sua obra o mar e a história portuguesa, onde os grandes clássicos representam a influência na sua escrita. A terra junto ao mar, e S. Pedro de Moel como local de inspiração.

Dei por mim, a cumprir um roteiro que me levaria de novo a Afonso Lopes Vieira. Fui aluno na Escola Secundária que lhe deu nome e cheguei à poesia muito mais tarde. Revisitei em ocasiões diferentes esta figura incontornável da nossa poesia, da nossa região, do nosso país e além-fronteiras (marítimas). Um destes dias, fui visitar o Mercado das Cortes, e lá também se promovia uma feira de livros usados. E lá encontrei este clássico, que me acompanharia numa viagem pela poesia clássica, e pelos caminhos da região. Coincidências que geraram outras e terminei no mesmo dia em S. Pedro de Moel, terminando a viagem também por onde a terra se acaba e o mar começa.

Em História da Poesia Portuguesa, João Gaspar Simões considera esta obra “o livro mais pessoal e mais forte de quantos o poeta escreveu”. Na verdade, este é o poeta do Romantismo, do Saudosismo e da memória que se evoca aos clássicos portugueses, como Gil Vicente, Camões ou Garrett. Nuno de Sampayo numa Antologia Poética a si dedicada em 1966 fez esta perspicaz crítica: “Lopes Vieira mostrou que a poesia pode ser culta sem se afastar do povo, firmando-se, pelo contrário, nele”.

O poeta de cá, que olhou mais além, como os navegantes, lançou âncora no amor que à terra se pode ter, olhando para o mar, para o futuro.

“Felizes os vagabundos
do vasto mundo, os sem lar,
que de alma leve e olhos fundos
nunca podem parar.

Felizes os bem-parados
no profundo,
os sossegados do mundo,
os afogados do fundo!

Esta palavra saudade,
aquele que a inventou,
por ser palavra tão doce,
ia chorar, não chorou”