Opinião

Letras | Não negues à partida um calhamaço que desconheces

1 ago 2024 11:54

Lembras-te daquele aspirante a calhamaço que te prometia mundos e fundos e te abandonou? Querias mais, mas ele não tinha mais para te dar. Chegaste ao fim e ele também. Com o calhamaço não é assim; há mais páginas para te envolver. Não temas pegar nele e levá-lo para a praia.

Texto originalmente publicado na edição em papel de 1 de Agosto do JORNAL DE LEIRIA

Pode parecer – e é – grande e pesado. Observa-te, enquanto te pisca o olho, prometendo-te uma relação duradoura e intensa. O calhamaço que se preze é aquele que te agarra sem pedir licença, que te encosta à parede e te beija, que te deixa sem respirar, mas que te faz sentir mais vivo que nunca.

Não dispenses a sedução prévia, a troca de olhares, o sorriso maroto. Toca-o delicadamente, sente a textura do seu papel, inala o perfume das suas folhas. E deixa a magia acontecer. É esse o momento de o levar contigo e de te enrolares com ele. Um bom calhamaço não te vai deixar ficar mal.

Lembras-te daquele aspirante a calhamaço que te prometia mundos e fundos e te abandonou? Querias mais, mas ele não tinha mais para te dar. Chegaste ao fim e ele também. Com o calhamaço não é assim; há mais páginas para te envolver. Não temas pegar nele e levá-lo para a praia. Nem sentirás a dor nas mãos e o incómodo nas costas. Até ignorarás o reggaeton do vizinho ou os gritos dos garotos a chapinhar na água. O calhamaço leva-te para uma dimensão paralela.

Shantaram, o best seller de Gregory David Roberts, é um desses fervorosos calhamaços, que se deseja sorver até à última letra. Cerca de 900 páginas de uma relação de alta intensidade, que te leva pelas caóticas ruas de Bombaim, conduzido por Lin, o protagonista, fugido de uma cadeia australiana.

O tráfico de droga e de dinheiro, a pobreza, o luxo, a sedução, a violência e amor… cabem todos no calhamaço apaixonante que já inspirou uma série televisiva. Tudo é vívido e vivido. O romance de Roberts oferece-te um completo pacote promocional da Índia profunda. Sentirás os cheiros das favelas, ouvirás as buzinas no meio do trânsito indisciplinado, deslumbrar-te-ás pelos saris coloridos, conhecerás os segredos dos sobreviventes em terras do salve-se quem puder.

Há tanto realismo para além dos factos reais onde se baseia, que te sentirás uma actriz ou um actor de Bollywood numa dança coreografada por paixão, desejo e medo. Pelo Shantaram e por todos os calhamaços que te prometem amar sem limites, deixa-te enrolar neste Verão.