Opinião

Letras | Maria Teresa Horta, a insubmissa

7 mar 2025 08:30

A sua dimensão poética – não de fácil leitura, mas de uma beleza imagística luminosa e única – está presente em tudo

Aos 87 anos, morreu, há um mês, Maria Teresa Horta (MTH), a grande Senhora das Letras da segunda metade do século XX e logo os jornais se encheram de encómios (copiados uns dos outros) sobre a sua vida e obra. Antes disso, quando se deram a esse “trabalho”? Talvez quando, há um ano, saiu a sua (completíssima) biografia pela escritora Patrícia Reis. E pouco mais. No nosso país é assim. Os jornais (com a notável exceção do Jornal de Letras) abandonaram há anos os seus Suplementos Literários onde escrevia a “fina flor” dos nossos escritores, e a crítica literária, atualmente, afirmo-o sem peias, está “pelas ruas da amargura”, entregue (acorrentada?) a meia dúzia de académicos aceites (pela academia, naturalmente).

Morreu a última das três Marias” disseram. Parece que conhecida apenas pelas “novas cartas portuguesas”, mais pelo escândalo que o regime ditatorial incendiou em 72 quando Natália Correia – outra corajosa Senhora das Letras desse tempo – as editou, do que propriamente pelo(s) texto(s) escritos. São 120 textos (quem os leu todos?) políticos (poéticos) denunciantes das injustiças da ditadura que se vivia, escritos por MTH conjuntamente com as escritoras livres e antirregime Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (já falecidas).

Mas MTH não nasceu para a escrita com as “cartas” nem por aí se ficou. Ela integrou o grupo de poetas vanguardista da “Poesia 61” e, antes disso, publicara já em 1960 o livro de poemas Espelho Inicial – uma mulher a publicar num meio literário masculino! com todo o apoio de poetas como Fiama, Ramos Rosa, Gastão Cruz e outros. Em 71 sai Minha Senhora de Mim – só o título é desafiante para a época. Em poemas algo marchetados nas cantigas de amigo, MTH usa a dimensão feminina, a componente erótica, a atenção ao corpo da mulher, ao desejo, à paixão – uma provocação, uma contestação ao moralismo sufocante que se vivia no país sempre sujeitando a mulher.

Isto não significa, porém, que se limitou a ser a “poetisa do erotismo”, como pretenderam apelidá-la. A sua atividade de escritora estendeu-se ao jornalismo, à crónica social e literária, ao cinema e à música – foi a primeira mulher com funções dirigentes no cineclubismo em Portugal. Tem publicadas mais de trinta obras, sendo a última Paixão, (2021) livro de poemas dedicados ao marido, o jornalista Luís de Barros, o grande amor da sua vida que, repentinamente, lhe morreu em 19, lançando-a numa profunda melancolia.

A sua dimensão poética – não de fácil leitura, mas de uma beleza imagística luminosa e única – está presente em tudo o que escreve ficção e não-ficção: as mil páginas de As Luzes de Leonor (2011) são um poema quase angélico escrito em vários planos e géneros de exaltação à vida da Marquesa de Alorna, sua antepassada. Violento, algo autobiográfico, mas igualmente poético é o volume Meninas (2015).

Uma mulher multifacetada e sofrida e frágil – mas para se saber tudo há que ler a sua biografia A Desobediente de Patrícia Reis. (Eu intitulá-la-ia “a insubmissa”).