Opinião

Letras | Leituras para os 50 anos de Abril

12 jan 2024 09:33

Lê-se no prefácio de uma edição de “Alexandra Alpha” que “Nunca antes, na nossa literatura, o dia 25 de Abril fora descrito de forma tão vibrante e tão vivida”

Intensificam-se as celebrações dos 50 anos da Revolução: são encontros e debates, depoimentos de memórias, testemunhos de vivências; são dramatizações e saraus; saem livros e livrinhos. [como alguém disse “nunca se escreveu tanto e se leu tão pouco”… será?]

E tanta e tão boa prosa (e poesia) esquecida para lembrar Abril! Só para referir alguns (os melhores? Talvez) a grande Natália Correia com o seu testemunho altissonante e culto em Não percas a rosa; a perspetiva acutilante e retilínea de Agustina em As Fúrias ou Os Meninos de Oiro; a poesia emblemática e resistente, “a poesia como arma” de Manuel Alegre ou a de José Gomes Ferreira, o “poeta militante”. Entre muitos outros.

“Os dias e os meses que se seguiram ao golpe militar mereceram maior detalhe na ficção assinada por escritores que viveram de perto o processo revolucionário. No tempo e nos lugares. E ainda que sem o rigor da ciência histórica, é possível reconstituir a memória desses momentos, cruzando experiências e olhares de personagens imaginadas.” - escreveu há anos no DN, Isabel Lucas, conceituada jornalista e crítica literária. E aponta duas obras chave para reconstituição ficcionada – mas tão próxima dos acontecimentos – da Revolução bem como dos períodos que a antecederam e procederam. São eles Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires (1987) e Fado Alexandrino, de António Lobo Antunes (1983) [seguido dos seus Auto dos Danados (1985) e o extraordinário As Naus (1988) que embrulha de forma magistral o início e o fim do Império].

Lê-se no prefácio de uma edição de Alexandra Alpha que “Nunca antes, na nossa literatura, o dia 25 de Abril fora descrito de forma tão vibrante e tão vivida.” afirmação que não surpreende se tivermos em conta a genialidade da escrita e da narratividade do seu autor. A narrativa passa-se entre 1960 e 1976 e retrata, em ambiente de alta burguesia – com um leque de personagens bem pouco ortodoxos – o “ambiente estéril e de propaganda da ditadura salazarista”, passando para o esplendor esfuziante e mágico da Revolução que vai decaindo para vivências pessoais, sociais e profissionais verdadeiramente dececionantes, acabrunhantes. A narrativa termina com a morte da protagonista num voo, que pode desenhar o avatar do desastre de Camarate.

Fado Alexandrino, genial romance de ALA (um, entre todos os que escreveu) escrito a pedido de seu pai que queria que ele escrevesse um livro sobre Portugal, passa-se durante uma noite – a lembrar Ulisses de Joyce – num jantar onde se reúnem cinco ex-combatentes da guerra colonial, de patentes e de níveis sociais diferentes, regressados há dez anos de Moçambique. Daquela forma “desarticulada” e “desconstruída” característica da escrita de ALA, o leitor vai tomando conhecimento (com alguma dificuldade, diga-se) da vida de cada um deles antes, durante e depois da Revolução. E é a partir da narrativa das vidas e experiências e das intrigas e peripécias – muitas vezes trágico-cómicas – que cada um deles conta que o autor apresenta a dita história (crítica) sobre Portugal que o pai lhe pedira.