Opinião
Jet lag
A minha mudança mais radical de fuso horário ocorre quando atravesso o Guadiana e vou a Ayamonte comprar caramelos
E com isto estamos em julho, o verão começa a fazer-se anunciar e, por junção de ambos, as férias estão aí não tarda. Em conversas escutadas avulso, vou dando conta que há quem se proponha a viajar para longe. E ele são passaportes, malas para fazer, carregador de telemóvel (ai, que me ia esquecendo!) horários a cumprir para não perder o voo, transfer do aeroporto até ao hotel e, vencidos todos estes obstáculos, o almejado destino paradisíaco. Enfim, uma canseira para ir descansar.
Alguns, mais experimentados nestas andanças, descrevem-me de olhos arregalados os inconvenientes do jet lag. Eles são o sono trocado, o mal-estar, o desconforto, as náuseas, a tripa revoltada, as dificuldades cognitivas e lentificação. Um sofrimento atroz apenas compensado pelos preços catitas das free-shop nos aeroportos. (Atente-se que em meia-dúzia de linhas já me servi de três anglicismos para fazer o caro leitor sentir a dimensão transfronteiriça da coisa).
Jet lag é coisa que não temo tão-somente porque, em boa verdade, as minhas viagens têm sido até à data muito rudimentares. A minha mudança mais radical de fuso horário ocorre quando atravesso o Guadiana e vou a Ayamonte comprar caramelos (também já fui, uma vez, a Badajoz com o mesmo fim). Creio que não deve valer para o efeito.
Quanto a achaques também os tenho, esta ou outra vez, quando ando de elevador, nos aviões da feira de maio ou desço a A1 até chegar à saída para Torres Novas, mas aí é só um zumbido nos ouvidos. A minha mulher costuma dizer que eu devia mastigar pastilhas elásticas. Experimentei, mas antes de chegar dos rés-do-chão a um oitavo andar ou à primeira saída de emergência na auto-estrada, já a goma perdeu o sabor e colou-se à prótese dentária o que é um grande incómodo.
Na voltinha dos aviões na feira isso não acontece porque o tempo da corrida é muito breve e não chega a dar tempo de esgotar o sabor da pastilha, menos ainda de perceber porque paguei tanto por um papelucho encardido que me faz ilusoriamente voar por escassos minutos. Há de pois, por força da razão, haver também fusos horários na vertical, pois que os sintomas também se fazem sentir nestas andanças de cima para baixo.
Entendo o padecimento que os viajantes experimentados me descrevem, mas confesso, já senti todos estes sintomas sem ter que viajar.
Não consigo adormecer ou manter o sono quando, por exemplo, dou comigo a exercitar o cálculo mental de como fazer face aos compromissos com os impostos que nos afogam os dias; diminuição do estado de alerta acontece-me muito quando o João Nazário me “obriga” a beber um copo de Rocim na Arquivo; a sonolência diurna ocorre diariamente após o almoço quando me repouso ao sol num banco da Praça; cansaço e falta de energia tornou-se uma constante desde que passei dos sessenta e continuo a querer fazer mil-e-uma coisas como se tivesse metade da idade que tenho; desempenho físico inferior ao normal (desculpem-me os leitores, mas isso é coisa que só discuto com o meu médico quando lhe peço receita para uns comprimidos que se compram na farmácia e fico à espera que seja um homem a atender-me – ele dever entender destas coisas); problemas de memória e falta de atenção, pois claro!, sempre, que nunca me lembro de virar as camisolas do avesso antes de as pôr no cesto da roupa suja; irritação e mau humor, é coisa de que os meus próximos se queixam desde sempre; alterações do funcionamento intestinal, ora lá, experimentem carregar no picante que espalham por cima das pizzas do Pizarista e vão ver o que vos acontece!
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990