Opinião

Herberto Helder (2020) Apresentação do Rosto, OU o estranhamento como identidade…

18 jul 2020 20:00

Considerado um dos maiores poetas portugueses da 2.ª metade do séc. XX, foi um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa, tendo recebido o Prémio Pessoa

Herberto Helder nasceu no Funchal, em 1930, e morreu em Cascais, em 2015. Entre os mais de 30 volumes de poesia publicados em vida, é Ofício Cantante – Poesia Completa (2009) que reúne o conjunto da sua produção, validado em vida pelo próprio autor. Após a sua morte, saíram dois volumes de poesia, que teria já prontos: Poemas Canhotos (2015) e Letra Aberta (2016).

No entanto, o livro a que agora me refiro – Apresentação do Rosto – foi publicado pela ed. Ulisseia em maio de 1968 e nunca foi reeditado pelo autor.

Houve integração de fragmentos dele em obras posteriores, mas, só em março de 2020, Olga Lima, a viúva, segue o texto da publicação original, e corrige lapsos e erros tipográficos assinalados pelo autor num exemplar de trabalho; porém, nem todas as anotações foram tomadas em conta ‘por não estabelecerem claramente uma nova organização do livro’.

Estamos, pois, não perante uma edição diplomática – que permitiria ao leitor e ao investigador refletir e tirar as suas próprias conclusões sobre a variante escolhida – mas perante uma edição que o próprio autor não tinha querido voltar a publicar…

Este tem sido o principal facto a aparecer nas críticas já realizadas. A mim, como leitora devota de H. Helder há muito, o que me motiva é o porquê de não querer voltar a dar a ler um livro tão belo e tão estranho, quando a sua obra poética já tinha criava a expectativa da surpresa absoluta.

Estamos perante fragmentos em prosa, divididos por 6 partes: Os Prólogos; Os Ritmos; As Imagens; As Metáforas; As Palavras; Os Epílogos, e que inicia com uma epígrafe de LYCOPHRON, dito “o Obscuro”.

Este é o nevoeiro que cerca a totalidade dos textos: a obscuridade, geradora de um estranhamento no leitor, denso suficiente para impedir a prossecução da leitura se a vontade de prosseguir não teimar em vencer o ‘exército’ que tudo devora.

Li-o como uma procura do Autor no espelho do seu ‘eu’, algo como uma ‘arte poética’ que procura o porquê do gérmen da escrita e encontra os episódios da sua infância e o estranhamento refletido no espelho da sua memória.

“Escreve-se. / Há as nuvens, as árvores, as cores, as temperaturas. / Há o espaço. / É preciso encontrar a nossa relação com o espaço. / Fazer escultura. / Escultura: objecto. / Objectos para a criação de espaço, espelhos para a criação de imagens, pessoas para a criação de silêncio. / Objectos para a criação de espelhos para a criação de pessoas para a criação de espaço para a criação de imagens para a criação de silêncio. // Objectos para a criação de silêncio. / Temos enfim o silêncio: é uma autobiografia. / É algo que se conquista à força de palavras. Pode-se morrer, depois, quero dizer. / Um amigo: quando já sabemos como viver estamos prontos para a morte. / Estou descontente. / Há primavera, verão, outono e inverno – no espaço. […] “(opus cit., pp. 15-16).

As memórias de imagens objetos ações comportamentos que o autor descobre no seu espelho são – para nós leitores, mas também para ele, autor… - um mistério que jorra da infância e percorre todos os espaços habitáveis.

Talvez a identidade de H. Helder se revele, aqui, como sendo o próprio estranhamento do ser. Ou o ser enquanto Arte…