Opinião

Falar menos e fazer mais

14 jan 2021 11:12

Será que todos os que tanto falam dos erros na contenção da pandemia se protegeram sempre dela, e ajudaram, activamente, outros a proteger-se?

Numa série televisiva a propósito da escalada nazi na Alemanha de Hitler, uma cantora lírica pedia urgência na vontade de pessoas de bem, e com poder, se empenharem em fazer alguma coisa que o impedisse, lamentando o facto de ela própria se sentir impotente para o fazer; ao que lhe respondem que a sua voz, o seu canto, poderia sempre ser forma de constantemente tornar presente a beleza, a justiça, a harmonia, a boa consciência, e o bem de que os Homens são capazes, lembrando-os disso numa altura decisiva.

Perante acontecimentos como a invasão do Capitólio, circunstâncias como um manifesto político perigoso para a manutenção da democracia, ameaças como uma pandemia em crescendo, ou outros factos, nacionais ou estrangeiros, de maior ou menor dimensão e impacto, poucas são as pessoas que se dedicam – ou dedicaram, a montante, onde tantas coisas se decidem - a fazer o que melhor podem e sabem de modo a contribuírem efectivamente para a solução, e contrapondo-se à infinidade das que, abarrotando as redes sociais, e espalhando-se por alguns espaços de comentário televisivos, comentam o acontecido, e dão instruções sobre o que, e como, deveria ser, ou ter sido, feito; fazemno de forma sistemática e abrangente, tudo conhecendo e tendo respostas para tudo.

Não me refiro, claro está, aos que correctamente relatam e explicam os acontecimentos de modo a que todos sejamos deles inteirados com verosimilhança, clareza e contenção emocional, e que o fazem por dever de ofício ou por disponibilidade empenhada, e habilitada, em esclarecer.

Refiro-me aos que o fazem com a intenção de se mostrarem bem pensantes, avisados, e competentes orientadores de quem os ouça ou leia, e que geralmente são, sobretudo nas redes sociais, os seus seguidores, isto é, pessoas que pensam de forma semelhante.

A vantagem desses arrazoados é, portanto, nula como contribuição para a melhoria do estado das coisas, mas produz larguíssimos benefícios para o ego de quem os profere.

A crítica sistemática, as verdades à monsieur de La Palisse, ou a arrogância do “eu sempre disse” em muitos e variados assuntos, dão a quem os profere a sensação de estarem a contribuir para o esclarecimento, para a aprendizagem, e para o bem comum, quando na verdade não passam de monólogos, mesmo quando encadeados numa “conversa”, feitos para o próprio se ouvir.

Será que todos os que tanto falam dos erros na contenção da pandemia se protegeram sempre dela, e ajudaram, activamente, outros a proteger-se?

Será que todos os que criticam o candidato presidencial tomaram sempre as atitudes correctas na manutenção dos valores que agora vêem ser atacados?

Será que todos quantos classificam as atitudes dos apoiantes de Trump prestam atenção ao que outros tenham para dizer, em tempo útil, e bem antes que se atirem para soluções populistas?

É no dia a dia, e quase sempre no silêncio das acções mais banais, que se constrói o mais importante, sejam os direitos humanos, a democracia, o combate a uma pandemia, a manutenção do civismo, ou a civilidade.

Será sempre a nossa prática individual, no exemplo da forma como atravessamos os dias, ou no modo com chegamos aos outros, a fazer a diferença.

E é importante não esquecer que os resultados importantes de amanhã terão de ser preparados já hoje.

Não dizendo como se faz, mas fazendo.