Opinião
“Estação Onze" e o fim do Mundo aqui tão perto
O número de países envolvidos em guerra dobrou nos últimos 10 anos
“E esta, hein?”.
Não sei como é que a célebre frase que o Fernando Pessa lançava no final de cada reportagem não voltou a estar na moda nos últimos dois anos.
Nem um meme para amostra.
Nos dias que correm, não consigo pensar em nada mais apropriado para terminar não apenas uma reportagem televisiva, mas todo um noticiário.
São umas atrás das outras. Pandemia, desastres climáticos, burros negacionistas, pandemia, desastres climáticos, burros… e agora, a cereja no topo do bolo: guerra.
Quer dizer… “agora, guerra”, não é bem assim. O correcto seria: “agora, guerra aqui ao lado”.
Guerras, ou “conflitos de média a alta intensidade”, como lhes chama o Banco Mundial num relatório divulgado no início de Março, são pelo menos 28, que afectam um total de quase mil milhões de pessoas.
O número de países envolvidos em guerra dobrou nos últimos 10 anos.
Ninguém quer saber quando não é aqui ao lado, quando não nos identificamos tanto com as vítimas e quando não toca tanto no bolso.
E digo “tanto”, porque quase todas tocam alguma coisa.
O problema é que, na maior parte dos casos, não notamos. E como não notamos, não queremos saber.
Agora é diferente. Como é diferente a possibilidade de isto ir mesmo tudo pelos ares. E isso, claro está, faz mesmo soar as sirenes.
Portanto, senhoras e senhoras, meninas e meninos, isto está bom é para viver enquanto podemos e como podemos. Está bom para procurarmos refúgio no outro e no que nos faça felizes.
Na música, nos livros, no teatro, na arte em geral.
Tal como em “Station Eleven”, maravilhosa mini série da HBO, num mundo pós-apocalíptico, depois de uma pandemia devastadora, a cultura é a salvação.
Por entre a morte, a dor, a desumanidade, as personagens sobrevivem graças a um propósito transcendente e a cultura é esse propósito. Tudo aquilo com que nascemos e que aprendemos de outros seres humanos.
Sem isso, nesse mundo de “Station Eleven”, tão parecido com o nosso, o colapso teria sido definitivo.
A salvação encontram-na em Shakespeare, mas também (e principalmente) numa “simples” banda desenhada obscura de ficção científica.
Na grandeza e na aparente insignificância, todas as expressões artísticas têm o poder de preservar a essência da humanidade.
Se calhar não é má ideia termos isto em conta nos próximos tempos.