Opinião

Editorial: Reservas (pouco) morais

27 mar 2016 00:00

Trata-se da arrogância do poder em todo o seu esplendor, em muitos casos materializada por empresários e gestores cujas empresas que lideram recebem dos seus clientes no momento da venda, como nos hipermercados (...)

Os atrasos nos pagamentos a fornecedores são um problema tão velho e com consequências tão conhecidas, que é difícil perceber como as autoridades não se empenham com seriedade no controlo deste verdadeiro cancro da economia nacional. Com a conjuntura económica a degradar-se de ano para ano, esta questão tem vindo a agudizar-se e a tornar-se insustentável, levando à ruptura da tesouraria de inúmeras empresas, muitas delas caindo em insolvência.

A semana passada a ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) voltou, e bem, a pôr o dedo na ferida, alertando mais uma vez para as consequências nefastas dessa prática, nomeadamente ao nível do desemprego. António Pinto Leite, presidente da associação aponta o dedo ao Estado (onde se destacam algumas câmaras e empresas públicas) pelo mau exemplo dado, mas também a alguns empresários que, tendo condições de pagar em prazos mais curtos, adiam os pagamentos para lá do admissível.

Se do Estado já tudo se espera, não causando admiração a ninguém que a má gestão e a negligência que por lá proliferam, muito pela arte de gestores cujo currículo se resume ao cartão de militante partidário, tenha este tipo de resultados, já no meio empresarial custa mais a aceitar.

Neste caso, em empresas que teriam condições para proceder de outra forma, o problema não se deve a negligência, mas sim a egoísmo e desrespeito, nomeadamente se tivermos em conta que algumas dessas empresas estão entre as que mais lucros apresentam e que, à custa de muito investimento em marketing, têm maior notoriedade. Mas isso parece contar pouco na hora de olhar o problema e contribuir para o ajudar a resolver.

Os fornecedores, muitas vezes micro e pequenas empresas, que esperem e aguentem sem contestar, pois se assim não for serão rapidamente trocados por outros. Trata-se da arrogância do poder em todo o seu esplendor, em muitos casos materializada por empresários e gestores cujas empresas que lideram recebem dos seus clientes no momento da venda, como nos hipermercados, ou poucos dias após o envio da factura, não havendo outra razão para não pagarem rapidamente aos seus fornecedores que não a de se financiarem com dinheiro alheio. Com o arrastar dos prazos a começar nos grandes compradores como o Estado e as maiores empresas, o problema vai penetrando em cadeia na economia, acabando muitos empresários por ser obrigados a protelar pagamentos ou a recorrer a contas caucionadas, com juros elevadíssimos, para cumprir o que assumiram. E, como cúmulo dos cúmulos, ainda damos frequentemente de caras na televisão com esses “grandes” empresários do País, que usam e abusam destas e de outras práticas menos éticas, a darem conselhos e opiniões como se de reservas morais da nação se tratasse.

Nota: Este editorial foi publicado na edição de 7 de Novembro de 2013. Voltamos a publicá-lo ipsis verbis por entendermos que, de lá para cá, quase nada mudou e o problema mantém-se tendo sido feito pouco para o contornar. De realçar, no entanto, que a região de Leiria tem o privilégio de albergar algumas das Câmaras Municipais que apresentam dos prazos de pagamento mais curtos em termos nacionais, assim como outras instituições de referência, como o Centro Hospitalar de Leiria e o Instituto Politécnico de Leiria, que respeitam os seus compromissos de forma exemplar.