Opinião
Editorial | (de)Formação desportiva
Que a nossa sociedade é ultracompetitiva, já todos sabemos. O que está ainda por debater de forma séria, são as consequências dessa cultura que coloca a eficácia, a rentabilidade, o ser melhor e o querer sempre mais como prioridades inquestionáveis.
Percebe-se que algo não vai bem quando são cada vez mais os profissionais a sofrerem de burnout e começamos a ver os mais jovens a recorrerem a fármacos para se equilibrarem emocionalmente, desestabilizados pela pressão de alcançar melhores notas e de conseguir lugar em determinada universidade. Mas não é só no percurso escolar que esta questão se coloca.
Também noutras áreas a pressão para ser-se exemplar é cada vez maior. No caso do Desporto, por exemplo, tudo parece ser admissível para se alcançarem vitórias, mesmo que hipotecando o êxito futuro e, mais importante, o desenvolvimento e a saúde dos jovens atletas.
Não será necessário andar muito atento para perceber que os abusos de especialização precoce e de estímulos desajustados à idade fazem parte do processo de formação (deformação seria mais adequado) vigente em muitas modalidades desportivas, geralmente perpetrados por treinadores, mais preocupados com os seus umbigos do que com a formação dos seus atletas, e aceites por muitos pais, a quem a vaidade tolhe o discernimento. Alcançam-se coisas fantásticas, é certo.
Muitas delas até inimagináveis num ser humano. Mas o preço é quase sempre demasiado elevado, principalmente se tivermos em conta que muitos desses atletas ficam com mazelas, físicas e/ou psicológicas, para o resto da vida e que poucos serão os que atingem a elite e conseguem viver dessa actividade.
Pontualmente, a questão dos vencimentos dos quadros de topo da administração pública regressa à ordem do dia. Em causa está, normalmente, a lei que dita que em nenhum cargo se pode auferir acima do Presidente da República, com excepção da administração da Caixa Geral de Depósitos.
Como é óbvio, este princípio coloca a função pública em desvantagem competitiva face ao sector privado no que toca a atrair os recursos humanos mais qualificados. Com as condições actuais, serão poucos os que estarão disponíveis a abdicar de um emprego no privado, onde o salário de um gestor de topo pode chegar ao milhão de euros anual, por um cargo na função pública, onde o tecto máximo ronda os 100 mil euros por ano.
Poderá, esta, parecer uma discussão sem sentido quando são ainda muitos os portugueses que auferem o salário mínimo e boa parte da população não chega aos mil euros mensais.
No entanto, se quisermos ter os melhores a gerir a coisa pública, teremos de deixar a demagogia de lado e olhar de frente para a realidade, sendo que esta nos diz que os detentores de cargos de topo no Estado são mal pagos quando comparados com cargos iguais no privado.
A começar, desde logo, pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. Só com os melhores à frente dos destinos do País poderemos ter a ambição de evoluir para patamares mais próximos dos nossos parceiros europeus, onde mesmo os que ganham menos recebem salários dignos.
*Director do Jornal de Leiria