Opinião

É urgente o SNS!

28 abr 2022 15:45

Enfermeiros e auxiliares pareciam abelhas em colmeias

Fiz tudo como manda o civismo.

Liguei para a Saúde 24. De lá mandaram-me para o centro de saúde. De lá para as urgências.

Fui com a consciência tranquila. Levava uma cartinha a garantir que não era uma falsa urgência.

Com suspeita de nova crise de diverticulite fui para a área de ortotrauma.

Não percebo porque é que urgências em ortopedia e intestinos estão no mesmo local, mas adiante.

Enfermeiros e auxiliares pareciam abelhas em colmeias. Numa pressa permanente, sempre a andar de um lado para o outro.

Ali, eu e um conjunto de desconhecidos esperámos. Esperámos e desesperámos.

Há uma eternidade de tempo entre chegar, ser visto por um médico, fazer exames, ter relatórios de exames, ser visto novamente, fazer novos exames e finalmente sair. No meu caso 14 horas.

Neste tempo todo as pessoas estão em cadeiras de plástico desconfortáveis, sem posição, angustiadas por não saberem o que as espera, algumas com frio, outras com dores e outras na rampa de lançamento do medo.

Havia algures uma senhora de muita idade que gemia sem parar “venham aqui”.

Do conjunto de desconhecidos, um ficou-me na memória: Ibrahim. Não falava português e seria talvez do norte de África. Uma médica simpática explicou-lhe em inglês que ele teria de ser operado porque tinha uma apendicite.

Vi o olhar de espanto dele. A médica, solícita, explicou que seria por laparoscopia e se tinha algumas dúvidas.

Depois ele perguntou quando seria a operação. A resposta foi: “today”.

Não sei se Ibrahim pôde avaliar a sorte que é estar no estrangeiro e ter um hospital por perto onde uma apendicite fosse resolvida “today”, escapando ao perigo que representa adiar a remoção de um apêndice infectado.

Vi os olhos dele em busca da compreensão: entra-se com cólicas num hospital e no mesmo dia está-se a caminho do bloco operatório.

O telefone dele estava sem bateria e uma senhora generosa emprestou-lhe o carregador dela para que pudesse manter-se ligado à vida, algures do outro lado do telefone, talvez num país cheio de desertos gelados e chás fumegantes.

Do senhor que na maca com um colar cervical e ligado a máquinas dizia “vou morrer, vou morrer”, ao outro que ia de algemas com três polícias atrás, às senhoras com a idade de Matusalém que chegam com corpos deformados por vidas de trabalho e muita ignorância, houve ainda uma rapariga de muletas e um pé em mau estado que se arrastava com dificuldades no corredor a perguntar onde era a ortopedia.

Estava em frente dela, mas a placa tinha escrito “ortotrauma”. Ninguém pensa nos detalhes. Quantas pessoas sabem que a ortopedia está dentro de uma sala que diz “ortotrauma”?

No hospital há enfermeiros simpáticos – dei nota 10 aos dois que me picaram várias vezes genuinamente preocupados se ia doer –, médicos muitos jovens e atenciosos, auxiliares que tentam confortar doentes. Mas são extraordinariamente poucos.

Se calhar valia a pena ler os programas dos partidos.

E naqueles que defendem mais SNS, fazer uma cruz.