Opinião
É urgente o amor
Se não ter acesso à saúde é mau, ter acesso a mais também não é só bom
Começa assim um dos poemas de Eugénio de Andrade. Cantado por muitos. Ricardo Marques foi um deles. Foi, porque o mundo sem fronteiras o roubou demasiado cedo de si próprio. Na Somália. Em junho de 1997. Aos 35 anos. Quem era? Um médico sem fronteiras. Português. E também vocalista de uma banda. Onde cantava “Urgentemente”. Urgentemente é também como todos queremos ser atendidos, tratados, curados. A toda a hora. Mas será assim tudo tão urgente?
“No tempo dos meus avós” podia também ser um poema, ou até um livro, não sei. Sei que nesse tempo as pessoas não corriam para o médico por tudo e por nada. Não que isso fosse necessariamente bom, mas também não era propriamente mau. Hoje acorre-se por tudo e por nada aos serviços de saúde, mas continuamos a ter imensas pessoas que deviam a ele acorrer e não o fazem. E quando o fazem, se é que o chegam a fazer, muitas vezes já é tarde. Pior, muitas vezes já não é possível uma resposta em tempo que lhes seja ainda útil.
Se não ter acesso à saúde é mau, ter acesso a mais também não é só bom. Entope e empata quem dele precisa, urgentemente. É dramático perceber que não há médicos suficientes para dar resposta a todos os serviços de urgência do nosso País. Mas é também dramático perceber que muitas destas urgências não o são. Muitas nem sequer de um médico precisam, mas sim de conhecimento básico. Aquele que no tempo dos meus avós havia. Claro que muito também era tolo. Mas esse continua ainda hoje. Agora o outro? Parece que desapareceu.
Se esse fosse mais aculturado e difundido, teríamos médicos suficientes para todos os serviços de urgência. Porque não seriam precisos tantos, ao mesmo tempo, para assegurar tanta urgência que não o é. Apostar na educação é um excelente investimento na saúde. Talvez o melhor. Educar e empoderar os cidadãos para um maior conhecimento em saúde, de pequenos grandes pormenores que parecem hoje estar esquecidos. O acesso não é mau. De longe. Muito de longe. Esta é mal aproveitado.
Por um lado vai-se ao médico ao primeiro sinal de dor de garganta. Por outro, não se vai para fazer os rastreios oncológicos, por demais demonstrados como importantíssimos para detetar atempadamente cancros que, se não detetados a tempo, matam, cruel e rapidamente.
Foi também assim que o nosso médico português, ginecologista, morreu. Por cuidar de alguém, urgentemente, mas já tarde demais. Fosse o conhecimento outro, não o dele, o das pessoas, e teria cuidado a tempo. E continuaria ainda hoje a fazê-lo. Urgentemente.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990