Opinião

E tu, queres com ou sem-abrigo?

12 jun 2021 15:50

As ações de cada um de nós, se forem portadoras de uma mensagem humanista, poderão ser geradoras de uma corrente positiva que certamente crescerá e se alastrará a um maior número de pessoas

Estranho mundo este que consegue normalizar o facto de milhares de cidadãos, incluindo crianças, fugirem dos seus países de origem devido à guerra, à fome e à falta do mínimo de condições de vida.

Seres humanos que se lançam na imensidão perigosa e infinita dos oceanos, sem qualquer segurança, e que procuram alcançar uma terra firme que os acolha e os aceite, oferecendo-lhes algum resto de esperança e de sobrevivência.

Por outro lado, o mesmo mundo insensível e despido de caráter também nos oferece as mais bonitas ações.

Foi impossível ficarmos indiferentes à forma profundamente humana e delicada como uma voluntária da Cruz Vermelha espanhola, com apenas 20 anos de idade, recebeu um refugiado senegalês que acabara de chegar a Ceuta juntamente com mais de oito mil pessoas.

Essa mesma mulher, depois do abraço que abraçou também meio mundo, foi vítima de abusos online por parte dos apoiantes do partido de extrema direita espanhol Vox, que criticaram inexplicavelmente a sua ação.

Uma esquizofrenia mundial onde o bem e o mal se colocam em lugares cada vez mais extremados.

Por tudo isto, e não só, as ações de cada um de nós, se forem portadoras de uma mensagem humanista, poderão ser geradoras de uma corrente positiva que certamente crescerá e se alastrará a um maior número de pessoas.

Quando puxo a fita do tempo atrás lembro-me que há cerca de um ano e meio a InPulsar, através do seu maravilhoso projeto Morada Certa – Leiria Housing First, atribuiu a primeira casa a uma pessoa que vivia em situação de sem-abrigo na cidade de Leiria há mais de 30 anos.

Um projeto que começou como um sonho, saltou para uma ideia e decidiu reagir e agir, propondo-se a retirar o maior número de pessoas que vivem abandonadas nas ruas da nossa cidade, sem qualquer pingo de respeito pelas suas vidas.

Começámos com três apartamentos através do apoio do Município de Leiria e ao fim de ano e meio de vida conseguimos chegar ao maravilhoso número das dez casas.

Dez casas que representam o conforto, a decência, a saúde e principalmente o regresso da dignidade humana devolvida a dez cidadãos, homens e mulheres, que sobreviviam envergonhados nos cantos mais obscuros e sujos da cidade.

Um projeto que tem gravado na pele o artigo 1º dos Direitos do Ser Humano - “todos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” - e que conseguiu gerar um movimento agregador que juntou o poder político, o tecido empresarial, a Segurança Social e toda a comunidade que nos envolve e que compreendeu a verdadeira dimensão humana desta meritória ação de salvar vidas e abrir novamente a janela dos sonhos àqueles a quem a vida decidiu roubar a possibilidade de sorrir e acreditar.

Olhemos de frente e deixemo-nos absorver e envolver livremente por estas ações do bem que indicam o caminho que devemos seguir e que são elas também que nos apresentam o verdadeiro sentido de vivermos num mundo ausente de fronteiras mentais e que deve ser todos. Sem ódios, sem guerras e sem vidas perdidas em vão.

Só assim, com o forte e acolhedor abraço de todos, conseguiremos continuar a construir esperança e também a vivermos orgulhosamente numa cidade onde a dignidade humana tem que estar sempre na primeira linha de tudo.

Eu prefiro com abrigo e tu?

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990