Opinião
É o mercado, estúpido!
Se calhar – só se calhar – o mercado precisa de regulação a sério
Arrendar uma casa tornou-se uma tarefa impossível.
Preços obscenos, pardieiros oferecidos como se de casas se tratassem, arrogâncias várias dos intervenientes e a mesma resposta sempre no fim: - É o mercado…
Como se estas palavras - “É o mercado” - fossem o santo graal da existência humana.
O “mercado”, que torna proibitivo a muitos professores aceitarem horários vagos em Lisboa, Porto, Setúbal ou Algarve, contribui para deixar cerca de 30.000 alunos sem as aulas todas. Aos pais desesperados com o facto – e que ainda não ligaram os factos - eu gostaria de responder:
- É o mercado…
Já os empresários da hotelaria, da restauração, da construção civil, de empresas tecnológicas, queixam-se de falta de recursos humanos.
Não há pessoas suficientes para trabalhar. Não ao preço que estão dispostas a pagar. Porque no preço que estão dispostos a pagar, uma fatia importante vai para a habitação. A tal que não existe, devido “ao mercado”.
Eis que chegados ao ano da graça de 2022, ter casa tornou-se o quebra-cabeças que decide a nossa vida.
Ou nos amarramos a uma dívida de pelo menos 30 anos – tornando o negócio da banca uma coisa de meninos - e compramos uma casa, imaginando que vamos poder pagá-la por uma vida inteira e que vamos viver no mesmo lugar por toda uma vida. Ou não.
A casa – que significa para muitos jovens o início de uma vida independente - tornou-se uma miragem.
Teremos no futuro a geração mais qualificada de sempre a ganhar uma miséria e a viver em casa dos pais – porque ter uma casa tornou-se impraticável - com uma demografia que nos atira para o declínio.
Mas tudo bem: é o mercado.
Gosto de imaginar o que teria sido a pandemia sem um SNS pago com os nossos impostos. Só hospitais privados. Quem pudesse pagar cuidados intensivos teria sobrevivido. Os outros… seria o mercado.
Se calhar – só se calhar – o mercado precisa de regulação a sério.
Se calhar – só se calhar – cobrar um milhão de euros por uma garrafa de água num deserto, apesar de poder ser um belo exercício de mercado, não é desejável, sensato ou ético.
Aqui chegados, e confiando que o governo vai cumprir a promessa de “disponibilizar 26.000 casas até 2026 para responder às situações de maior carência identificadas nas Estratégias Locais de Habitação” ponho-me a pensar: como?
Onde está a mão-de-obra para construir 26.000 habitações até 2026 – a preços muito controlados – quando mesmo a preços “de mercado” os empresários da construção não os encontram?
Lembro-me de numa cadeira de Economia, na Universidade de Évora nos idos de 80, ter assistido maravilhada à explicação do professor sobre o encontro das curvas da oferta e da procura na formação do preço de mercado.
Tudo parecia encaixar e ser explicado pela teoria económica, essa ciência extraordinária que comanda a nossa vida.
Mas porque será que isso não ajuda ninguém a encontrar casa para viver?