Opinião

Crise ou farsa política?

23 out 2021 15:40

Enquanto nos vão querendo entreter com tudo isto, qual série da Netflix, problemas graves, e muito críticos, continuam a abundar no País real

Já é habitual por esta altura do ano sermos inundados pela agenda mediática da apresentação do Orçamento de Estado, até com toque de suspense, com a entrega do documento ao Presidente da Assembleia da República a poucos minutos da meia-noite, data limite para submissão ao Parlamento.

Mas também me parece que, mais coisa menos coisa, há seis anos a esta parte que se vai verificando este filme, com toda a certeza como forma dos partidos de esquerda, necessários ao PS para garantir a aprovação, irem conseguindo ter ganhos de negociação, dando igualmente jeito ao PS para justificar as eventuais cedências.

Este ano, para adensar o clima de suspense, lá se vai dizendo que está tudo muito mais crítico, por força do resultado das últimas eleições autárquicas, onde PCP e Bloco de Esquerda tiveram maus resultados, querendo alguns ligar esta situação com o apoio que tem sido dado por estes partidos ao Governo PS.

Continuo a crer, sim, porque certezas ninguém as tem, nem os que preveem uma crise política, que pode levar a convocar eleições antecipadas, nem aqueles que entendem que à semelhança de anos anteriores tudo se vai resolver, que a aprovação do Orçamento de Estado para 2022 vai mesmo acontecer.

Para apimentar a coisa, lá temos, como tanto gosta, o Presidente da República, parecendo mais um comentador político da televisão do que o mais alto representante do Estado, a quem compete definir o calendário duma eventual antecipação de eleições e não ajudar à “festa da confusão”.

Que, com toda a certeza, terá em consideração o cenário de eleições internas no PSD, principal partido da oposição, garantindo que possam estar em funcionamento todos os órgãos internos, de forma a validar a apresentação duma alternativa política ao País, devidamente escrutinada e legitimada.

Mas enquanto nos vão querendo entreter com tudo isto, qual série da Netflix, problemas graves, e muito críticos, continuam a abundar no País real.

Começam a aparecer as primeiras evidências da fragilidade, para não dizer rotura, do Serviço Nacional de Saúde, onde depois de todas as atenções estarem centradas na pandemia agora, que parece querer aliviar, vão-se destapando um conjunto de necessidades, como ainda recentemente ficou bem evidente no Hospital de Setúbal, com a demissão de dezenas de profissionais, e no Hospital de Leiria, onde se limitou o atendimento do serviço de urgências, com necessidade de reencaminhamento de doentes para o Centro Hospital e Universitário de Coimbra.

Além disso, vale muito a pena acrescentar a estes problemas de estruturas centrais a debilidade da rede de cuidados de saúde primários, onde ainda por tantos locais se assiste à falta de meios, essencialmente recursos humanos, agravada pela deslocação destes profissionais para serviços quase exclusivamente Covid, desde há vários meses.

Por outro lado, o País embevecido pela discussão do Orçamento parece não querer acordar para a escalada pornográfica dos preços dos combustíveis, para valores nunca antes atingidos, nem quando o preço do barril do petróleo estava exorbitante.

E o Governo, depois de tantos dias sem nada fazer, a não ser arrecadar receita, teve a “grande sensibilidade” para baixar uns cêntimos no ISP, que nem assim evitou uma nova subida dos preços no início desta semana.

Não tenho possibilidade de “negociar” o Orçamento, mas seriam duas boas reivindicações para os tais partidos de esquerda que é preciso convencer….