Editorial

“Contas certas” para o ordenamento do território

16 jan 2025 09:00

Falta, tal como aconteceu com as “contas certas”, uma vontade nacional para consertar o território

"Contas certas.” Durante anos, foi uma expressão que fazia fugir tanto políticos como a máquina da Administração Pública, como se viver num país permanentemente em défice fosse um dogma absoluto, sem possibilidade de remissão e uma condenação sem esperança à mesma pena de Prometeu.

Com algum esforço e compromisso, foi possível a Portugal começar lentamente a acertar o passo.

Hoje, qualquer que seja a cor do Governo, está estabelecido que será vergonhoso perder a capacidade de manter “contas certas”.

É uma espécie de pacto de regime tácito.

Falo neste assunto porque precisamos de mais pactos destes e o primeiro seria o ordenamento do território.

É, de facto, esta a questão primordial da falta de habitação acessível em Portugal, abordada pelo actual Governo na alteração da lei, que permite mudar a natureza dos solos de rústico para urbano através das autarquias.

O tema é controverso e originou críticas por “abrir a porta à especulação imobiliária em terrenos rústicos”.

Por um lado, conhecendo a natureza humana e a dos portugueses em especial, até fazem sentido os argumentos de quem, numa óptica pessimista, prevê a ocorrência de “relações perigosas” entre imobiliário e autarquias.

Por outro, também faz sentido o optimismo e vontade de quebrar com comportamentos esclerosados e ultrapassados que deram a Portugal uma posição inglória no índice mundial da corrupção.

Tenho mais simpatia pela terceira via, a defendida por quem diz que a lei anterior era fraca e que a nova não assemelha ser melhor, já que também não salvaguarda nem o território, nem a população e nem os seus bens.

Prova disto, são os recorrentes e cada vez maiores incêndios, os quais apesar de alguns discursos oficiais de conveniência, sobre incendiários voadores para afastar responsabilidade, devem a sua dimensão à inexistência de um território ordenado.

Esse sim, é, neste cenário de alteração climática, o maior desafio de futuro que Portugal enfrenta.

Falta, tal como aconteceu com as “contas certas”, uma vontade nacional para consertar o território.

Para criar zonas bem definidas para construção, zonas para habitação e para a indústria, zonas para o povoamento florestal perigoso, zonas para a agricultura e zonas tampão de segurança, com espécies autóctones e mecanismos para aumentar a humidade no ar e solo, e valorizar os recursos naturais do País.

Obviamente, será necessário arregaçar as mangas e fazer mais do que criar legislação num gabinete com vista sobre a paisagem do Tejo.

Será um processo moroso? Claramente que sim.

Custará votos, tanto a nível nacional como autárquico? Sem a menor dúvida!

Incendiará os proprietários? Qualquer mudança é feita de resistência, mas até a mais longa caminhada começa com um passo e a negociação fará o resto.