Opinião
Cinema | O fim do cinema como o conhecemos? Ou precisamente o contrário?
As possibilidades são infinitas quando é promovido este contacto pessoal, real, aqui e agora, em contraposição com o contacto digital
Em alguns dos textos que aqui tenho escrito, já abordei várias vezes o assunto das plataformas de streaming, como este novo modelo de consumo tem mudado todos os paradigmas de criação, produção e distribuição. Para muitos (e até para mim, às vezes), parece um buraco negro que anuncia o fim do cinema. Para outros (e para mim, noutras vezes), parece apenas uma mudança de paradigma, que acompanha a evolução tecnológica e social. No entanto, e se esta mudança de paradigma não ditar o fim do cinema como o conhecemos, mas sim potenciar precisamente o contrário? Como se do outro lado do buraco negro houvesse uma (nova) vida ainda mais colorida.
Ao mesmo tempo que produções já são compradas pelas plataformas de streaming antes de estarem terminadas, ainda há quem continue a resistir. E quando falo em resistir, não estou a referir-me à postura de Velho do Restelo que teima em continuar a perpetuar um passado. Refiro-me àqueles que continuam a acreditar que o potencial da experiência de cinema só poderá ser totalmente alcançado cumprindo o ritual de se deslocar a um cinema, pagar bilhete, desligar o telemóvel e ficar duas horas no escuro, apenas absorvido pelo filme. Por vezes numa cadeira desconfortável ou a querer aniquilar quem está a mastigar as pipocas de boca aberta — mas faz tudo parte de um ritual colectivo. E para isso, os festivais de cinema têm hoje em dia um papel fundamental nesta inversão do paradigma: proporcionar uma experiência impossível de ser adquirida no conforto do sofá, tanto para o espectador como para os profissionais do sector.
É o contacto humano a chave fundamental aqui para alavancar qualquer evolução. O espectador que pode ter um contacto mais próximo com o autor, o produtor que pode ter contacto com outros profissionais e daí florescerem novas ideias e projectos. As possibilidades são infinitas quando é promovido este contacto pessoal, real, aqui e agora, em contraposição com o contacto digital disponível a qualquer hora e em qualquer lugar. Um potenciará o outro, e ambas as formas de consumo poderão coexistir numa medida mais equilibrada no futuro.
Esta nova década de 20 já nos provou que vivemos numa era em que tudo é possível e imprevisível a qualquer momento. Mas valham-nos os provérbios fundamentados em sabedoria popular: depois da tempestade, vem a bonança.