Opinião
Cinema | O espião que veio da 3.ª idade
Esta história começa por um anúncio de jornal. “Procura-se homem idoso. Reformado entre os 80 e 90 anos.
Autónomo, saudável, discreto e competente na utilização de tecnologia. Para realizar investigação; com disponibilidade para viver fora de sua casa durante três meses.”
Sergio é um dos vários homens que responde ao anúncio. Octogenário, bem parecido, procura acima de tudo algo que lhe ocupe o tempo e que lhe permita alhear-se, ainda que fugazmente, da pesada saudade da esposa, falecida há uns dolorosamente curtos quatro meses.
Rómulo é o experiente detetive privado responsável pela publicação do anúncio. Procura um “agente infiltrado”, que consiga introduzir no lar de São Francisco, e assim obter informações privilegiadas que respondam à suspeita de maus tratos levantada por uma cliente, cuja mãe reside nesse mesmo lar.
É em toada de film noir que prosseguimos, portanto. Rómulo procura treinar Sergio na utilização de uma parafernália de dispositivos de espionagem que coloca à sua disposição.
Mas óculos com câmara vídeo integrada ou uma esferográfica que oculta uma máquina fotográfica parecem gadgets impossíveis de manejar quando o idoso espião tem dificuldades em utilizar um smartphone para gravar uma mensagem de voz ou distinguir entre a app de fotografia e a de videochamada.
The Mole Agent (que traduzimos livremente para O Agente Infiltrado) mantém este tom de comédia – dir-se-ia mesmo de farsa – durante uma boa parte dos seus 90 minutos.
A ideia que, um documentário esteja a ser filmado no interior de um lar de idosos, enquanto decorre esta investigação, é um malabarismo que a chilena Maite Alberdi, e a sua equipa, executam com mestria.
À medida que Sergio prossegue periclitantemente na sua missão o filme assume uma dimensão humana e pessoal que não terá escapado à realizadora e que se torna (magnificamente) no seu objeto central.
É difícil a Sergio manter o distanciamento (e discernimento) relativamente aos outros residentes.
Torna-se conscientemente negligente da sua incumbência, à medida que toma conhecimento das suas histórias, se envolve, se preocupa, se relaciona e vive os dilemas dos outros velhos como ele, que se vêem confinados àquele espaço e àquela rotina.
E que sofrem com a solidão. Acima de tudo com a solidão, mas muitos com o esquecimento e mesmo o abandono.
Os filmes mais marcantes são aqueles que proporcionam momentos de reflexão a posteriori e que nos assaltam o pensamento de rompante, horas ou dias depois.
Não fora apenas pela forma magistral como está conseguido, o impacto de O Agente Infiltrado é justamente exponenciado pela conjuntura do momento, em que é conhecido o efeito dramático da pandemia nos lares de idosos.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990