Opinião
Cinema | Mas porque damos tanta importância aos Óscares?
O modelo industrial de Hollywood impôs-se como a norma dominante, tanto na forma como os filmes são produzidos, como na forma como são promovidos globalmente
Sim, vou falar dos Óscares, da Academia de Cinema dos Estados Unidos da América (EUA). A cerimónia aconteceu agora e por todo o lado se ouve falar dos momentos inéditos, discursos e vencedores. No fundo, todos os anos, a indústria cinematográfica entra em alvoroço com isto. Os media cobrem, exaustivamente, cada nomeação, cada polémica e cada discurso, enquanto canais de televisão nacionais transmitem a cerimónia em direto.
Mas porque damos tanta importância aos Óscares e, por extensão, ao cinema estadunidense? E porque ignoramos quase completamente outros festivais de cinema que celebram uma diversidade muito maior de cinematografias?
A primeira exibição de um filme aconteceu no Salão Grand Café, em Paris, a 28 de dezembro de 1895. A sua evolução passou por diversas correntes artísticas espalhadas pelo mundo: das vanguardas europeias ao realismo neorrealista italiano, sem esquecer a Nouvelle Vague francesa e os movimentos inovadores da Ásia e da América Latina. No entanto, o modelo industrial de Hollywood impôs-se como a norma dominante, tanto na forma como os filmes são produzidos, como na forma como são promovidos globalmente.
Os Óscares são um reflexo desse monopólio cultural. São, acima de tudo, uma celebração da indústria dos EUA para a indústria dos EUA. E, no entanto, os media internacionais, incluindo os portugueses, conferem-lhes uma importância desproporcionada. Porque não há transmissões televisivas em directo e comentadas dos prémios de Cannes, Berlim ou Veneza? Porque não há o mesmo entusiasmo por cinematografias tão ricas como a sul-coreana, a iraniana ou a brasileira? A resposta está no domínio dos EUA que há décadas que exportam não apenas filmes, mas um imaginário que influencia a forma como vemos o mundo.
Ao focarmo-nos, quase exclusivamente, no cinema estadunidense, perdemos diversidade e pluralidade. Aceitamos um único olhar sobre a história, a política e a identidade cultural, em detrimento de uma multiplicidade de vozes. O cinema europeu, asiático ou africano oferece perspetivas distintas, narrativas inovadoras e abordagens estéticas que raramente chegam ao grande público.
É fundamental repensarmos este desequilíbrio e darmos espaço a outras cinematografias. Isso passa por uma maior aposta na exibição de filmes de diferentes países, por uma cobertura mediática mais abrangente e pela valorização dos festivais internacionais que, realmente, celebram o cinema como uma arte global. A sétima arte não pode ser reduzida a um único país ou a um único modelo narrativo. Se queremos um cinema rico e diversificado, temos de olhar para além de Hollywood.