Opinião
Cinema | As piores pessoas do mundo
Há muito tempo que não víamos um filme que reunisse de uma forma tão clara e sincera todos os desassossegos que esta geração à rasca vive todos os dias
Já não é novidade nenhuma que quem anda pela casa dos 30 anos costuma ser apelidado de sem-rumo, preguiçoso ou mesmo egoísta. Sim, os millennials, essa geração que, há uns anos, foi chamada de “à rasca”, nascida e criada na prosperidade fictícia dos anos 80 e 90, de cara contra a parede com a crise de 2008 e a troika no momento em que começavam na busca dos primeiros empregos e, depois de uns momentos de alguma esperança, esborrachada pela pandemia que os enterrou ainda mais na precariedade.
Não há como negar alguns denominadores comuns aos *jovens* desta geração — como um desinteresse generalizado pela vida que têm em diante, mudanças constantes de objectivos, interesses e áreas de trabalho, uma busca pouco ambiciosa pela novidade que facilmente desaparece. E tivemos tudo, caramba. Não há como não nos sentirmos mesmo as piores pessoas do mundo.
São estes o contexto social e os sentimentos de angústia que vemos desenvolvidos em A Pior Pessoa do Mundo (2021), quinto filme de Joaquim Trier, em que acompanhamos a vida de Julie na viragem para os 30 anos. As mudanças e investimentos nas áreas de formação que acabam a levá-la a trabalhar numa livraria para pagar contas, a paixão de uma noite que é tomada como amor para a vida, a relação dolorosa com um pai ausente, a pressão para ser mãe — cada uma destas situações é desenvolvida com subtileza, inteligência e, por vezes, humor, ao longo de uma história contada em vários capítulos.
Há muito tempo que não víamos um filme que reunisse de uma forma tão clara e sincera todos os desassossegos que esta geração à rasca vive todos os dias, que reflectisse as histórias, as preocupações e as tendências da nossa sociedade actual, surtindo o efeito espelho que o cinema pode ter sobre o espectador — sem contemplar nem julgar.
O filme estreou em Fevereiro em várias salas do país, está nomeado ao Oscar nas categorias de Melhor Argumento e Melhor Filme Internacional e vai estar em exibição no Teatro Miguel Franco no dia 16 de Março, às 18:30 e 21:30 horas. É muito óbvio que o estou a recomendar?