Opinião
Cinema | A Eterna Desculpa, de Miwa Nishikawa
Conforme o ciclo das estações, uma rica paleta de emoções é, vividamente, pintada, sublinhando que o luto é um processo subjetivo que vai além de quaisquer regras sociais prescritas
Hoje navegaremos no mar do cinema nipónico. Desta feita, sobre um filme da realizadora japonesa – discípula de Koreeda – Miwa Nishikawa, cuja obra se tem focado, narrativamente, na discrepância que os sujeitos exibem entre o que está dentro (uchi) e o que está fora (soto), nomeadamente, através de histórias sobre relações familiares.
A Eterna Desculpa (2016) retrata a história de Sachio – escritor aclamado – que ficou, recentemente, viúvo, depois da sua mulher, Natsuko, ter morrido num trágico acidente de autocarro. Esta perda, contudo, não lhe causou qualquer dor. Natsuko viajava na companhia da amiga Yuki, que também morreu. E, o marido de Yuki, pelo contrário, está devastado. Tanto que, mal consegue cuidar dos próprios filhos. É então que Sachio – que nunca teve filhos – decide oferecer a sua ajuda para cuidar das duas crianças órfãs de mãe. Uma decisão, que parecia, completamente, despropositada, mas que acaba por transformar a sua vida para sempre.
Um dos temas principais deste filme prende-se na obrigatoriedade de desempenhar um papel social de forma a dar a entender a nossa existência para o Outro. Vemos muito isso na dualidade do comportamento de Kinugasa que, não tendo qualquer relação afetiva com a mulher, acaba por ter de exercer o papel de marido triste e enlutado.
A realizadora vai-nos dando pistas para a personalidade egoísta e falsa do personagem principal, que se transforma numa personagem multidimensional, depois de conhecer o marido da amiga da esposa e a sua família. Os encontros de Kinugasa com os filhos de Omiya são, muitas vezes, marcados por uma certa estranheza alegre, pois Kinugasa, nunca tendo sido pai, tem que encontrar uma maneira adequada de se comunicar com eles. No entanto, para o espectador, não fica claro se esse cuidado é apenas uma forma de polir o seu ego de romancista de sucesso, proporcionando uma nova inspiração para sua escrita, ou se estão sentimentos genuínos em jogo.
No fundo, estamos perante uma reflexão psicológica realista rica e cheia de nuances. Conforme o ciclo das estações, uma rica paleta de emoções é, vividamente, pintada, sublinhando que o luto é um processo subjetivo que vai além de quaisquer regras sociais prescritas e que a nossa autoimagem e alegria de viver são definidas apenas pela nossa relação com os outros.
Uma obra muito interessante para ver ou rever, que nos faz pensar, intimamente, sobre a nossa própria posição na sociedade.