Opinião
Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: The White Lotus
Tal como o genérico de qualquer das temporadas indicia, nada na série é inteiramente o que parece e tudo se transforma noutra coisa qualquer
The White Lotus é uma série criada por Mike White para a HBO, com duas temporadas de 6 episódios cada. Foi a grande surpresa dos Emmys de 2022, tendo vencido, entre outras, as categorias de Melhor Série, Melhor Realizador (Mike White), Melhor Atriz Secundária (Jennifer Coolidge), Melhor Ator Secundário (Murray Bartlett), Melhor Argumento, Melhor Música (Cristobal Tapia de Veer) e Melhor Elenco.
Qualquer das temporadas começa com uma morte num resort da cadeia The White Lotus, dispositivo narrativo típico dos policiais que servirá para alimentar a curiosidade do espetador até ao último episódio, quando se encerra a analepse e descobre a quem pertence o corpo. Também a ecoar os romances de Agatha Christie, os personagens apresentam-se socialmente estratificados, divididos em turistas e staff, o que gerou alguma polémica, dado que a série tanto pode ser entendida como uma censura às desigualdades sociais ou como um retrato superficial, centrado na mundivisão de uma elite privilegiada. Na realidade, The White Lotus é as duas coisas, dado que uma se alimenta da outra. E é por isso que nos faz ter vontade de rir e chorar, nos entretém e nos perturba.
Em ambas as temporadas, as personagens organizam-se em dois núcleos, cuja atividade e emoções o espetador acompanha: os turistas VIP e os habitantes locais, que trabalham ou gravitam em torno da estância. Na primeira temporada, passada no Havai, os turistas são os recém-casados Patton, a família Mossbacher, acompanhada por uma amiga da filha, e Tanya McQuoid (a inigualável Jennifer Coolidge), uma mulher de meia idade à procura de amor. Do lado dos funcionários, a história gira em torno de Armond, o gerente, Belinda, a responsável pelo spa, e Kai, um jovem havaiano.
Na temporada seguinte, que decorre no The White Lotus da Sicília, voltamos a encontrar Tanya (desta vez McQuoid-Hunt), o marido, a sua jovem assistente, um americano descendente de sicilianos que procura as suas raízes, acompanhado pelo filho e o neto, dois ex-colegas de faculdade que passam férias com as respetivas esposas, e Quentin, um dandy britânico que viaja com alguns amigos. Abaixo na escala social encontramos Valentina, a gerente da estância, e Mia e Lúcia, duas prostitutas locais. A diversidade social, étnica, etária e até geográfica é suficiente para garantir uma multiplicidade de temas e abordagens. A primeira temporada é mais densa, centrando-se em questões sociais e políticas que nos fazem refletir sobre os efeitos do imperialismo, do patriarcado e do capitalismo e como parece difícil atualmente criar novos sistemas de crenças que nos levem além do cinismo. A série parece apontar para um pessimismo antropológico, pela voz de Mark, que conclui que crescemos a querer ser super-heróis e acabamos por nos contentar em não ser vilões.
Na segunda temporada o tema desloca-se para as questões sexuais, revelando, mais uma vez, a ambiguidade dos vários personagens, as suas fraquezas, resignações e arrependimentos.
Tal como o genérico de qualquer das temporadas indicia, nada na série é inteiramente o que parece e tudo se transforma noutra coisa qualquer. Aquilo que inicialmente se mostra perfeito rapidamente revela uma malevolência intrínseca, um potencial para contaminar relações que se adensa e evolui em crescendo até um final inevitável.
Nas duas temporadas, os elos mais fracos perdem, embora em cada uma se trate de uma fraqueza diferente. Mas em qualquer delas, cinicamente, o que muda apenas serve para que tudo permaneça relativamente igual. Acidentalmente ou não, numa afirmação que não deixa de ser política, em qualquer das temporadas apenas os jovens rapazes privilegiados mostram um potencial de crescimento e redenção, procurando qualquer coisa que vai além da superfície volúvel do universo faustoso e esteticamente perfeito de The White Lotus.