Opinião

Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: Fallout

24 mar 2025 12:43

Como em todas as boas séries, rapidamente se percebe que nada é aquilo que parece e que a luta entre o bem e o mal pode ser mais complexa do que era nos velhos filmes western

Fallout é uma série da Amazon Prime Video criada por Graham Wagner e Geneva Robertson-Dworet, baseada no jogo Fallout: A Post Nuclear Role Playing Game, lançado em 1997 pela Interplay Productions. Foi realizada por Jonathan Nolan (irmão de Christopher Nolan), autor do argumento do filme Memento e criador, juntamente com Linda Joy, de Westworld (uma série a não perder para quem gosta da combinação entre westerns e ficção científica).

Sendo uma das séries mais vistas da Prime Video, a segunda temporada de Fallout está já em produção e tem estreia prevista ainda para 2025. Assumindo-se como uma série de ficção científica que oferece uma história alternativa dos EUA (e, por associação, do resto do mundo, embora na série, como na realidade, este pareça não ter muita importância), Fallout combina elementos de muitos outros géneros cinematográficos para construir uma sátira, plena de humor negro, sobre a sobrevivência humana num futuro pós-apocalíptico.

O primeiro episódio de Fallout, irónica e inteligentemente intitulado "O Fim", transporta-nos para um cenário retrofuturista que replica a América dos anos sessenta, onde Cooper Howard, um ator de filmes western caído em desgraça (interpretado por Walton Goggins, o enigmático Rick Hatchett da terceira temporada de The White Lotus), anima uma festa infantil, minutos antes de ser lançada a bomba nuclear que iniciará a terceira guerra mundial. A série avança duzentos anos e percebemos então que aqueles que puderam pagar compraram a sua sobrevivência em bunkers desenhados pela Vault-Tec para manter o conforto e estilo de vida até então existente, dominando aí, de forma inalterada, os valores e a estética clean dos anos sessenta. Na superfície, porém, a devastação e as radiações nucleares dão origem a outro tipo de humanos e de estruturas sociais. Aqueles que não morreram com as bombas transformaram-se em ghouls ou necróticos, humanos mais ou menos desfigurados que podem sobreviver por centenas de anos, como acontece com Cooper Howard, o cowboy morto-vivo que assegura o tom western à série.

Existe também uma irmandade, The Brotherwood of Steel, uma organização quase religiosa que recolhe e preserva a tecnologia anterior à guerra, assumindo-se como guardiã e protetora dos humanos. Maximus, interpretado por Amir Carr, é um escudeiro da irmandade que se transforma em cavaleiro e que será, tal como o ghoul Cooper Howard, central para a trama da série.

A estrutura narrativa escolhida por Jonathan Nolan para Fallout é a da viagem do herói, papel que cabe a Lucy (interpretada por Ella Purnell), uma jovem que vive no Vault 33 e que se vê obrigada a sair para o mundo exterior para resgatar o seu pai (Kyle MacLachlan) das mãos da vilã Lee Moldaver (protagonizada por Sarita Choudhury), enfrentando um conjunto de peripécias e desafios que terá de superar para alcançar o seu objetivo, cruzando o seu destino com os do cavaleiro Maximus e do ghoul Cooper.

Como em todas as boas séries, rapidamente se percebe que nada é aquilo que parece e que a luta entre o bem e o mal pode ser mais complexa do que era nos velhos filmes western, em que não havia dúvidas sobre a identidade do vilão e a do herói. Essa, só por si, já será uma boa razão para ver Fallout. Outra poderá ser a crítica política subjacente, num momento em que a ameaça de uma terceira guerra se tornou mais real do que nunca, e em que nos podemos legitimamente questionar sobre os planos de sobrevivência de quem governa o mundo. E a terceira, mas não menos importante, é a banda sonora, integralmente construída a partir dos grandes clássicos norte americanos dos anos cinquenta e sessenta, como se a luta pela sobrevivência após a terceira guerra mundial tivesse acabado com a capacidade humana de criar qualquer tipo de arte.

Como exemplo das músicas que se podem ouvir na série, deixo a sugestão de "Crawl Out Through the Fallout", de Sheldon Allman, lançada em 1960 num álbum com o título Songs for the 21th Century, que replica a ironia que Jonathan Nolan imprime à série. A não perder.