Opinião

Artes Visuais | Hora do Recreio – Neuza Matias

21 fev 2025 08:22

As pinturas de Neuza Matias levam-me a este tipo de leitura, pessoal e incerta a cada olhar. Uma personagem que hoje me parece fofinha e queriducha, noutros dias me parece cínica e traiçoeira. Terá sido esta a intenção da artista?

Trimmmmm, chegou a Hora do Recreio!!!! O pátio onde a turma se reunia era um terreno baldio a céu aberto, e via-se ao longe uns grandes postes de distribuição de electricidade e uns ciprestes gigantescos. O dia estava brumoso e as nuvens anunciavam tempestade, mas a chuva ainda não tinha chegado. Sentia-se um ambiente de tensão no ar, algo estranho estava para acontecer. Apareceu mais uma vez, mal o som da campaínha tocou. Decidiu-se a ser violento, novamente. O Monstro Felpudo Azul era conhecido por ser um brutamontes. O seu nariz em forma de cachorro dava-lhe uma voz anasalada, que fazia rir, de tão ridículo que soava.

Entrou no recreio e fez cócó, ali mesmo, à vista de toda a gente. Todos o achavam um bully, e tentavam tudo por tudo para se manterem longe. Atacava assim que saía da sala de aula, pilhava, resmungava e fazia muito barulho, sempre com um ar sarcástico que irritava a malta toda. Desta vez, entre a aula de História e a aula de Língua Portuguesa, as vitimas mortais foram as cadelas siamesas cor de rosa. Tinham sido alvejadas por uma flecha envenenada.

As retaliações das autoridades locais feriram o Monstro Felpudo Azul fazendo-o sangrar um pouco, mas foram tão ligeiros, que mandaram chamar os mafiosos do passarão verde, que lhe entornaram Cerelac para cima do rabo. Os ratinhos gémeos, que eram os namorados das cadelas siamesas, chegaram ao pátio do recreio montados em carris e ao depararem-se com tal brutalidade, juraram vingança. A lagartinha multicolorida aproveitou todo o movimento e confusão para lavar todas as suas patinhas de uma vez só, algo que nunca tinha acontecido. O fontanário do pátio que habitualmente estava à pinha, hoje estava desimpedido, o que fez a lagarta regozijar de alegria.

As pinturas de Neuza Matias levam-me a este tipo de leitura, pessoal e incerta a cada olhar. Uma personagem que hoje me parece fofinha e queriducha, noutros dias me parece cínica e traiçoeira. Terá sido esta a intenção da artista?

Estas incoerências de interpretação quase sempre têm mais a ver com o que o observador traz para a narrativa, do que propriamente com as intenções da autora. O mesmo acontece quando vejo as pinturas de Hieronymous Bosch (c.1450 - 1516). Estou certo de que a narrativa que o autor pensou e executou, nada tem a ver com as minhas interpretações de há 30 anos, quando primeiro vi uma pintura dele, e pouco têm a ver com as interpretações que faço hoje, mesmo depois de centenas de visualizações.

Vão ver a exposição no BAG – Leiria, a partir de sexta feira, e façam vocês a vossa própria história.