Opinião

Apropriação cultural

2 abr 2021 15:51

O alto artesanato, crafts em inglês, através do saber fazer manual e do conhecimento tácito e implícito, acrescenta um valor muitas vezes superior ao agregado do número de horas ou custo da matéria-prima.

Nas diferentes relações entre culturas existe, obviamente de uma forma não exclusiva, a possibilidade de aculturação ou apropriação.

A primeira pressupõe uma relação de forças, em que uma cultura se imiscui na outra em maior ou menor medida. A segunda envolve a adopção de elementos específicos de uma cultural por outra.

Feita a desambiguação, uma vez que aculturação surge de uma forma orgânica da interacção social entre culturas, quero-me focar na apropriação cultural.

Houve esta semana passada grande celeuma à volta das camisolas poveiras, de Póvoa de Varzim, e da sua apropriação por uma conhecida marca de uma estilista de moda norte-americana, que levantou questões relativas a identidade territorial, valor laboral e propriedade intelectual.

Apesar de serem questões de difícil resposta, parece-me que a discussão em torno deste assunto tem sido útil, porque evidencia uma certa menorização sistémica da cultura artesanal portuguesa, neste caso aproveitada muito lucrativamente por terceiros.

O alto artesanato, crafts em inglês, através do saber fazer manual e do conhecimento tácito e implícito, acrescenta um valor muitas vezes superior ao agregado do número de horas ou custo da matéria-prima.

Parece-me que há interesse estrangeiro e valor no artesanato português, a atestar por iniciativas como a da Fundação Michaelangelo Foundation, sediada em Veneza, Itália, que promove através do exposições e do seu site, homofaberguide.com, um mapa dos melhores artesãos europeus, onde artesãos/designers como Eneida Lombe Tavares, Samuel Reis ou Vítor Agostinho constam.

O distrito de Leiria tem inclusive o maior número de representantes nesta rede internacional.

Porém, também me parece que falta alguma exposição e aposta das estruturas locais em incentivar e promover este tipo de actividade que contribui não só para a perseveração e transmissão dos saberes locais, mas também para a coesão social, criando trabalho e riqueza.

Tudo isto só porque alguém se apropriou e rentabilizou algo que podíamos ter sido nós a fazer.