Opinião
Abril é para sempre
Estão a acabar os homens e mulheres que podem contar a partir das suas próprias memórias o que foi ser torturado, perseguido, amordaçado, e com eles e elas, parece ir-se também a noção da real importância da Liberdade
A memória mais importante de manter é a das coisas que nunca vivemos. Há que manter acesa a chama do fogo que nunca acendemos. Parece fazer falta a lembrança deste lugar-comum!
Aqui e ali, vão surgindo os sinais clássicos - porque já quase apagámos o fogo tantas vezes! - de que o nosso colectivo se está a esquecer do básico.
Lembrava no outro dia o historiador Rui Tavares que, apenas para o ano, pela primeira vez na história do nosso país, vamos poder dizer que já temos mais tempo de democracia do que tivémos de ditadura!
E no entanto… em termos relativos, afinal passou tão pouco tempo, e já nos estamos a esquecer desses 47 anos!
Estão a acabar os homens e mulheres que podem contar a partir das suas próprias memórias o que foi ser torturado, perseguido, amordaçado, e com eles e elas, parece ir-se também a noção da real importância da Liberdade.
Um pouco como Sísifo, parecemos, então, condenados a viver o mesmo suplício dos nossos avós, só para aprendermos de novo a lição que eles já tiveram de aprender com tanto sofrimento, como se quiséssemos provar cicuta, para saber que mata, mesmo!
Dito assim, parece estúpido, não é? Mas não é isso que faremos, se voltarmos a escolher quem hoje promete “devolver ordem à bandalheira”?
Em 1926, foram exactamente estas as falsas motivações de quem usurpou no poder. Vamos ignorar os sinais e cair direitinhos na armadilha da desmemória?
Não esqueçamos, então, que quando damos espaço à perseguição, em vez da solidariedade, ela varre tudo, sem contemplações; que quando toleramos as pequenas injustiças pelo “bem maior”, elas tornam-se a regra, e não a excepção.
E acima, de tudo, não esqueçamos que quando pomos demasiada fé num só salvador, e não em nós todos enquanto massa crítica colectiva e transformadora, esse fabuloso líder acabará sempre, sempre, SEMPRE, sendo o nosso carrasco.
A memória é o melhor mecanismo de sobrevivência que temos enquanto espécie - é uma arma de adaptação ao meio que nos permite não cometer duas vezes o mesmo erro, se formos inteligentes.
Poder passá-la de geração em geração é uma vantagem comparativa que temos em relação a tantas espécies que não têm a capacidade de contar a História. Tanto tempo, e ainda estamos a aprender!
E tudo isto, minha gente, para vos lembrar de não esquecer as vitais conquistas de Abril! Ou antes, citando o meu irmão (que foi tão inspirado quando o escreveu): Até quando dura Abril? Abril é para sempre!